CARLA BRUNI – COMME SI DE RIEN N’ÉTAIT
Depois de temas acústicos e melancólicos nos álbuns anteriores, nada fazia prever uma viragem tão abrupta neste terceiro álbum. Carla liberta-se de tudo e bebe as mais estranhas e globais influências de música do mundo. Passeia-se sem preconceitos por estilos completamente díspares e instrumentações inusitadas. O resultado é um inesperado caldinho de cultura que começa bem, sofre alguns tremeliques a meio, mas acaba de forma sublime.
“Ma Jeunesse” é uma canção alegre e sussurrada maviosamente para um piano que nos valsa com um ritmo encantatório, percutido aqui e ali por reverberações de guitarra invertidas. Termina com um laivo de sopros.
“La possibilité d’une île” acalma-nos os ânimos com uma batida suave e um acompanhamento harmónico e melódico sintetizado. Carla aqui a dar um passo rumo ao futuro deixando cair a sua tão cara ambiência acústica dos álbuns anteriores. A canção mistura um suave ondular da voz com recitação pura.
“L’amoureuse” é uma pequena surpresa engraçada. Começa com um tom orquestral de meio do século passado, até cair no ritmo balançado e bon vivant do celebérrimo “Le plus beau du quartier” do primeiro álbum. A guitarra em bom ritmo convida-nos a uma dança sensual e lasciva. O hammond organ junta-se para dar colorido temporal de uma Paris de bons tempos.
“Tu es ma came” é a faixa Jack Johnson do álbum. Puramente guitarra acústica a entrar em ritmo de blues, desfaz-se numa batida simples e depois em sintetizadores maravilhosamente esculpidos, apoiando uma voz insistente e assanhada. Bruni a insinuar-se imperativa.
“Salut Marin” é a faixa sonhadora do álbum. Com sons e ambiências fantasiosas a lembrar a noite e os sonhos. Nesta faixa Carla até tem direito a ubiquidade passeando-se por entre uma tenaz harmónica.
“Ta tienne” leva-nos numa viagem pelo mundo fora. A flauta esvoaçante abre o mote acompanhando os glissandos e um piano em acordes insistentes. A batida é algo complexa e desafiante. Tem uma cor latina e algo frenética esta faixa.
“Péché d’envie” retoma o ritmo rápido nas palavras acompanhado por suspiros de guitarra acústica e ponteados por sintetizações harmónicas de fundo. Uma canção que cresce e desenvolve. Começa melancólica e vai metamorfoseando-se em quase heróica.
“You belong to me” é o fantasma do natal passado do álbum. Uma belíssima balada acústica à guitarra, acompanhada de uma voz em inglês serve-nos de recordação do álbum “Promises”.
“Le temps perdu” é uma viagem ao meio do século passado. Em tom de insinuação sensual e perigosa bem marcada, Carla leva-nos para a cama sem querer.
“Déranger les pierres” cai muito bem. Um piano eléctrico quasi mágico vai debitando harpejos enquanto Carla quase declama em tom suspenso e sofrido. Uma caminhada árdua até ao suspiro final.
“Je suis une enfant” começa com um sample extraído de Schummann para rapidamente cair num rock lento e ternário sob a melodia das terras e gentes distantes das cenas infantis do compositor romântico citado.
“L’antilope” dá-nos um cheirinho a country. Carla parece decidida a fazer uma rodada étnica pelo mundo neste álbum. E está a consegui-lo.
“Notre grand amour est mort” é um passeio de novo por um folk-blues que não parece acrescentar nada de muito novo ao que temos vindo a ouvir. O tom meio optimista da melodia e de Carla parece não acompanhar a intenção pesada que o título parece sugerir.
“Il vecchio e il bambino” é sem dúvida a pérola do álbum. A faixa mais erudita e mais complexa, quer musical quer conceptualmente, é um fecho de ouro. Cantada em Italiano, secundada por um piano triste, cordas arrepiantes e percussões inesperadas leva-nos para um mundo de leste que parece já não existir. Carla aterra de uma viagem estonteante mas que levou a bom termo.
Um álbum como se tudo fosse.
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Autor: Tiago Videira