Depeche Mode em Portugal

Cantar o pecado com arte

O esperado regresso dos Depeche Mode a Portugal aconteceu no dia 8, 4ª feira. Uma noite escrita com poemas negros mas iluminada pelo talento reafirmado de uma banda com 25 anos de vida.

Foram canções “de fé e devoção”. Foram silêncios violados. Foram vozes despertadas pela excitação de um momento gravado para a eternidade. Os anjos negros por excelência voltaram à Terra para relembrar como se faz a visceralidade de canções fixadas nos lábios e na memória de um público sem tempo marcado.

Por entre reflexos roxos, verdes, azuis e vermelhos, num espectáculo visual de contornos espaciais, os Depeche Mode fizeram do Pavilhão Atlântico a sua casa na noite de 8 de Fevereiro, e no palco vibrou todo o carisma que consagrou o seu trabalho ao longo de vários anos e lhes concedeu uma posição única no mundo da música.

Após as guitarradas pop-rock dos norte-americanos The Bravery, entrava assim em cena um Dave Gahan qual pantera passeando-se dentro da jaula, saudando o público mais com a sua postura desafiadora e contagiante que com palavras – aquelas que tanto os três ecrãs assimétricos como uma grande bola de aço suspensa no lado esquerdo do palco se encarregavam de ir transmitindo ao longo do espectáculo.
“A pain that I’m used to” iniciou a noite e antecipou uma exibição exaustiva do último álbum, “Playing the Angel”, esse mesmo pretexto da digressão do grupo. Entravam os arranhões eléctrónicos e a sonoridade agressiva característicos deste mais recente trabalho, e Gahan lembrava a atitude confiante do clip de “It’s no good”, vestido de negro (tal como os restantes elementos presentes, formados por Gore, Fletcher e mais alguns músicos) e com o diabo no corpo, do princípio ao fim.

Os bons velhos tempos estavam de volta, juntando-se aos novos tempos dos veteranos da pop-melancólica-electrónica: a “John the revelator” sucedeu-se o hino “A question of time”, que colocou o público a aquecer a voz, enquanto “Precious”, o primeiro single do novo álbum, deixava no ar a atmosfera do poder do amor temperado com “lament” e “regret” – o mote para a maior parte das canções dos Depeche Mode, que apareceu aqui repetido mesmo quando se apagavam as luzes para o fim da canção sobre o sofrimento das almas frágeis.

Depois de um euforicamente cantado “Walking in my shoes”, vieram “Suffer well” (o segundo single de “Playing the Angel”), “Damaged people” e um portentosíssimo “Home”, que arrancou uma forte ovação dos presentes. Nestes dois, o camaleão Martin Gore, compositor por excelência do grupo, vestido de anjo com duas asas pretas a penderem-lhe das costas, mostrou a voz cuidada e até mais melodiosa que a de Dave Gahan, vocalista, apesar de se manter quase sempre na sombra deste nas restantes interpretações.

“I feel you” trouxe o momento mais carnal da noite e a voz saída das vísceras de Gahan. Depois, os êxtases absolutos com “World in my eyes”, “Personal Jesus” e, sobretudo, “Enjoy the silence”, que levantou os teimosos que ainda permaneciam sentados.

O show tinha acabado, mas urgia continuar: nem que fosse pela força com que o público chamava pelos três magníficos. Veio assim o primeiro encore, com a perfeição encarnada em Martin Gore a solo no revisitado ao piano “Shake the disease”, de 1985, e continuava o regresso às origens com o irrequieto “I just can’t get enough”, representativo da fase mais pop dos Depeche.

“Everything counts”, da mesma era, encerrava mais uma vez o espectáculo que o público já elogiara vezes sem conta – principalmente aqueles que nunca tinham visto o grupo ao vivo, e se surpreenderam com a qualidade sonora e visual que brindou quase duas horas de música. Ficavam os “anjos” escritos num pano de fundo negro (como não poderia deixar de ser), mas ressuscitados minutos depois com o segundo regresso ao palco. Aqui, a hora foi da amizade: “Never let me down again” começou, “Goodnight lovers” (extraído do quase esquecido “Exciter”) terminou em beleza. Gahan e Gore, “soul brothers”, vieram para a plataforma que os aproximava mais do público e, abraçados, disseram boa noite e adeus aos amantes eternos dos Depeche Mode. Até sempre, e até Julho no Estádio de Alvalade, que se esgotam os bilhetes mas não o vício de ouvir quem jamais se esquece.

Fotografia: Carlos Pratas

Autor: Andreia Monteiro