“Mais um fado no fado” de Aldina Duarte

Música na Culturgest

Rui Vieira Nery escreveu o texto O Sentido das Notas, o Canto das Palavras para apresentar este concerto.

“Apenas o Amor (2004), Crua (2006), Mulheres ao Espelho (2008), Contos de Fados (2011). Os títulos dos quatro álbuns que Aldina Duarte lançou parecem formar, como um mosaico, o retrato perfeito da sua postura de artista – o de alguém para quem a relação com o Fado passa por um registo constante e incandescente de paixão, mas também por um percurso por vezes quase cruel de introspecção e pela descoberta fascinada de múltiplos olhares sobre o mundo, pela mão dos poetas, dos artistas, dos fabricantes de sonhos e de mitos fundadores. Tudo isto assenta sempre nos alicerces de um repertório de fados estróficos depurados pelo tempo, tão firmes e enganadoramente simples nos contornos essenciais que os definem como livres e complexos nos desenhos novos e inesperados que o seu canto lhes sabe dar em cada revisitação. Tudo acontece pela mediação de um discurso poético rigoroso, assumidamente contemporâneo, sem concessões, em que a sua própria voz de poeta emerge com frequência, lado a lado com a de tantos grandes criadores da Língua portuguesa, como uma força tão marcante como o canto. Aldina Duarte tem este jeito especial de saber ao mesmo tempo dizer o sentido das notas e cantar a melodia das palavras. É por isso que nunca deixa de nos surpreender, que nunca a podemos prever, que é sempre uma descoberta renovada. Assim, neste programa o seu caminho cruza-se com o de duas outras vozes relevantes do Fado dos nossos dias, Ana Moura e António Zambujo, e através destas os seus versos convertem-se num terreno comum para o encontro entre outras tantas posturas artísticas idiossincráticas, passando da condição de mera expressão individual da sua autora ao estatuto de um património partilhado e reestruturante do próprio género. E ela mesma revisita – e de algum modo reinventa, nessa viagem – alguns dos fados mais emblemáticos do seu repertório, partindo, para esse novo olhar, do desafio que representa a parceria com o piano de Júlio Resende. Mais uma vez nos confronta, deste modo, com esse seu misto tão especial de tradição e ruptura, de medo e coragem, e – porque não? – de pudor e desvario.”

Autor: pires