“A Casa do Óscar” de Joana Machado

O segundo trabalho de Joana Machado – “A Casa do Óscar” – traduz-se numa associação da paixão pelas músicas e composições de Tom Jobim, associadas à paixão de Joana pelo jazz e pela cultura brasileira. “A Casa do Óscar” é muito mais do que um tributo a Tom Jobim. Leva-nos a fazer uma viagem pela poesia e composição de Tom, pelos textos de Chico Buarque, pelos arranjos de Afonso Pais, pelos vocais de Joana Machado e, principalmente, pela sua paixão pela cultura brasileira, envolvendo a natureza, a poesia, a literatura e as composições de nomes tão soantes da música brasileira.
Apesar de ter entrado, efectivamente, no mundo da música há pouco mais de dois anos, com a edição do seu primeiro trabalho intitulado “CRUde”, em 2006, Joana Machado apresenta-nos “A Casa do Óscar”, com o qual pretende chegar mais perto do público e fazê-lo sonhar.
Apesar de ser um nome recente na música jazz, o seu trabalho foi já aclamado pela crítica nacional e internacional. A artista entrou no Jazz para ficar, deixando-nos uma morada fixa para sonharmos – “A Casa do Óscar”.Joana Machado“A Casa do Óscar” é a aposta na sensibilidade do ouvinte para uma outra cultura que tem influência nossa (portuguesa) e que se exprime na nossa língua, pela mão do Jazz” – Joana Machado 

Inside: “A Casa do Óscar” é uma homenagem a Tom Jobim. Como é que surgiu este projecto?
Joana Machado: Surgiu no final de 2006, com uma ideia para um sítio específico que era “A Casa das Mudas“, um Centro Cultural, na Madeira. Na altura, tive esse convite e com Afonso Pais, guitarrista, e Filipe Melo, pianista, decidimos fazer uma homenagem um pouco sofisticada ao repertório menos celebrizado de Tom Jobim. O projecto correu muito bem, fizemos concertos e depois seleccionei alguns temas que já tínhamos feito, para gravar. Assim surge “A Casa do Óscar”.

Inside: O que a faz trabalhar a música deste cantor e compositor brasileiro?
J.M: Uma grande paixão pelo Brasil. Estive lá apenas uma vez, mas deu para perceber o espírito do povo. O Brasil é um país muito rico em natureza, uma das grandes inspirações do Jobim. A floresta Amazónica, a floresta Atlântica, as plantas e a música da qual sou grande apreciadora, particularmente na vertente erudita, são elementos que fazem parte desta paixão. As músicas de Tom Jobim são canções muito bonitas e para mim ele é o grande compositor do Século XX.

Inside: “A Casa do Óscar” é um título inspirado numa frase da autoria de Chico Buarque. Quando é que surgiu esta decisão para este título?
J.M: A decisão foi imediata. É “A Casa do Óscar”. O mote que uniu tudo isto foi este texto de Chico Buarque, onde faz uma comparação entre a arquitectura de Óscar Niemeyer e a música do Tom Jobim, duas das suas grandes inspirações.

Inside: E este tributo?
J.M: É um mistério. Assumir um tributo como um tributo era muito preto no branco. Este é um tributo mas personalizado e adaptado a uma formação de jazz. “A Casa do Óscar” é a música do Tom e a música do Tom é o Brasil. A imagem do trabalho “A Casa do Óscar” retrata tudo isso. Eu gosto sempre de ter uma imagem associada ao trabalho, que neste caso sou eu dentro da casa, pintada com riscas, que caracterizam a Amazónia, mas com uma maquilhagem muito europeia.

Inside: Em “CRUde”, editado em 2006, Joana Machado dá voz à música de Tom Jobim intitulada “Ana Luíza”. A poesia e música brasileira são claramente uma influência no seu trabalho?
J.M: Sem dúvida. Esta parte da música brasileira, mais sofisticada, mais erudita, e que inclusive foi beber influências ao jazz são influentes. Houve uma grande interacção entre músicos brasileiros e norte-americanos do jazz, que se deveu ao fascínio dos norte americanos com alguns músicos brasileiros permitindo a interligação, por exemplo, de Tom Jobim com Frank Sinatra. Eu sou uma apaixonada pela poesia de Chico Buarque, pelos livros dele, pelo Vinicíus e sou uma fascinada por toda uma geração que surgiu nos anos 50 60, 70, 80, no Brasil. Há muita gente que surge nesta época a criar coisas muito boas como Gal Costa, Caetano Veloso, Chico Buarque, Milton Nascimento. É a nossa língua, com um sotaque diferente e com uma intenção profunda. É mesmo um trabalho de coração.

Inside: Para além da essência da música jazz em “A Casa do Óscar”, este trabalho pretende chegar mais perto do público. O que é que estas composições têm de diferente para essa aproximação?
J.M: Têm mais voz, como o espectador leigo a conhece, e está na nossa língua. Se calhar a música não é evidente, mas é menos hermética do que em “CRUde“. É um conceito mais abrangente e uma temática que pode interessar mais pessoas. O jazz é para um nicho muito pequeno e no nosso país é minúsculo. Apeteceu-me centralizar mais no rigor da interpretação. Foquei-me na afinação, na dicção das palavras e no tentar ser mais fiel aos meus sentimentos.

Inside: Depois de “CRUde” Joana Machado percebeu que tinha um caminho difícil pela frente. Essa certeza surgiu apenas depois da produção do primeiro trabalho?
J.M: Eu costumo viver no presente. Consegui que fossemos para estúdio, consegui a verba, depois consegui outra para fotografias, fui contactando editoras… Enviei o projecto “A Casa do Óscar” para 10 editoras internacionais, e só tive resposta de duas, que foram negativas. Realmente, o mercado discográfico está a desaparecer. Em Portugal, consegui a “iplay” para este novo projecto. Mas é muito difícil. Um artista é um investimento financeiro e com cada vez menos retorno.

Inside: “CRUde” foi o primeiro trabalho de Joana Machado, o qual foi bastante aplaudido pela crítica nacional. Passados dois anos, as expectativas foram superadas nesta estreia no mundo da música?
J.M: O primeiro trabalho superou as minhas expectativas mas, infelizmente, isso não se traduziu em muitos espectáculos e concertos. Mas é um work in progress e é necessário continuar a investir.

Inside: E para “A Casa do Óscar”? Quais são as expectativas?
J.M: Sei lá…isso agora vamos ver. É um disco completamente diferente. Em relação a mim própria, acho que a minha voz cresceu. Trabalhei muito em termos técnicos, e este é um disco que me satisfaz mais em termos de rigor. Estou muito curiosa porque não é um disco de jazz, por isso estou curiosa sobre a crítica.

Inside: Em “CRUde” foi dada preferência a tempos médios e lentos, associados a um trabalho lírico. Este segundo trabalho insere-se nesta linha?
J.M: Igualzinho. Não é uma preocupação minha, mas eu sou uma pessoa bastante romântica na minha relação com o trabalho. Sou incapaz de cantar coisas que não quero e acho que é um privilégio ser artista e poder viver enquanto tal, porque realmente só fazemos aquilo que queremos, pelo menos na maior parte do tempo.

Inside: A paixão pelo Jazz surge inesperadamente?
J.M: Todas as coisas têm explicação, eu é que se calhar não as sei. Provavelmente, tem a ver com o meu percurso pessoal. Eu nasci e cresci numa ilha, na Madeira, e tive alguns pontos dramáticos na minha vida, acho que isso me levou à música e depois, muito mais tarde, levou-me ao jazz. Ouvi uns discos, achei piada e quis experimentar. Mais tarde, racionalmente, cheguei à conclusão que é muito completo, porque permite a fusão com outras culturas. O jazz é muito aberto. A parte que existe de explicável é esta. Depois, há toda uma parte inexplicável que é emocional e sentimental.

Inside: O disco tem a participação de vários músicos, tais como Bernardo Sassetti. Como surgiu esta parceria?
J.M: Esta parceria surge porque eu já tinha trabalhado com Bernardo Sasseti e decidi convidá-lo. Sabia que ele já tinha tocado “Olha Maria”, uma canção com letra de Chico Buarque. Pedi-lhe uma versão nova e nossa.

Inside: O seu processo de aprendizagem incluiu um período em Nova Iorque e muitos artistas sentem necessidade de sair de Portugal para evoluírem. Sente esta necessidade agora?
J.M: As coisas mudaram muito em Portugal. Na altura, eu estava a tirar um curso de Design Industrial e a meio caminho decidi que queria ser cantora, privilegiando o desenvolvimento do instrumento voz. Queria saber de música e queria poder integrar esses conhecimentos naquilo que ía fazer no futuro. Surgiu essa oportunidade de ir, e realmente Nova Iorque ainda é a capital do jazz. É uma cidade muito dura que faz com que nos concentremos muito no trabalho. Foi uma experiência incrível de disciplina e crescimento porque não existe espaço para mediocridade. Hoje em dia, em Portugal, já há novas licenciaturas e o ensino do jazz tem um bom nível, mas não existem muitas oportunidades para os músicos portugueses. Os festivais de jazz, por exemplo, têm, principalmente, um elenco estrangeiro, o que é uma pena, porque nós temos bons músicos.

Inside: Quais os seus próximos projectos?
J.M: Neste momento cada vez penso mais no presente e num futuro muito próximo que é o amanhã. Agora vou dar o meu segundo salto internacional. Fui convidada para fazer uma série de concertos na Holanda. Vou continuar a investir nas qualidades que mais me favorecem e continuar a trabalhar a minha voz.

Inside: Acha que os ouvintes vão sonhar ao ouvir “A Casa do Óscar”?
J.M: Eu não sei. Eu espero que sim. Espero poder tocar as pessoas. Não podemos ter grandes expectativas porque as pessoas são tão diferentes e cada vez estou mais convencida disso. A minha experiência de vida diz-me que cada pessoa é um mundo. Somos todos tão diferentes, que realmente espero poder tocar algumas pessoas. Acho que existe um período em que nós, músicos e artistas, trabalhamos para nós e para os nosso colegas, para sermos reconhecidos. Mas na realidade estamos dependentes de pessoas que não têm a ver com o nosso desenvolvimento. São essas que vão comprar os nossos discos, que vão aos nossos concertos. São essas pessoas que, no fundo, são o nosso público.

Autor: Marisa Antunes