Clorophilia MANON HARROIS E SARA BICHÃO com Maria João Mayer Branco

Clorophilia: a escrita de outro deus para eternidade

O princípio nunca tem fim. Clorophilia constrói-se sobre a linha do infinito, atravessa a água, a terra, o tempo e o espaço. Trespassa-nos o corpo e o espaço do corpo com o afiamento liso e inocente de uma espada. Primeiro. Exuma peles e memórias onde não sabemos, levanta-nos do chão depois da terra com os límpidos braços de uma desconhecida força celestial. Respira violenta e pacificamente, vive e morre, morre e vive. O círculo persiste e nunca se fecha.

Sara Bichão, Manon Harrois e Maria João Mayer Branco. Quantas vidas podemos para criar uma memória? Quantas peles serão pele bastante para lhe sobreviver? Importará a uma mãe sobreviver ao filho?
Cabeça, mãos e movimento, o desenho do corpo todo para amar. Um sepulcro na garganta cantando em silêncio os tempos inteiros de uma árvore, de um vegetal, de uma flor, de uma pedra nunca tocada. Vida e morte acontecem em simultâneo numa narrativa de reparação; e eis-nos aqui na descida da árvore, inspirando tudo quanto nos morre sobre a carne mais profunda. Somos um caule ou uma folha adormecida antes do tempo. Clorophilia resgata-nos ao tempo da morte e da vida, instaura o amor como arpão até aos pés da infância. Quanto tempo demora uma criança? Para onde vão os seus olhos depois da brutal aparição do mundo? O espanto.

Clorophilia é uma soma de raros tempos de inquietação, e talvez por isso nos interpele com a força inteira de uma fragilidade que tememos tocar. Mas depois há uma Porta aberta para o jardim, lugar mágico e primogénito, uterino. O corpo da ilha começa onde o reconhecemos, mesmo sem olhos ou ouvidos resta a pele sobre a ferida, a ferida enrolada à volta dos dedos. Na arte como na vida, não há complacência, sabemo-lo pelo princípio porque a erosão é uma (des)dor. O corpo da ilha é esta veia que emudece se tocada; e então espera pelo frio que trazemos para dentro nas mãos e escuridões por entregar. Clorophilia escreve outro nome para espera e precipício, e outro deus para eternidade.
É hoje e aqui. De súbito, chegamos a casa para ver o mundo pela primeira vez.

 

Susana de Figueiredo