MOVIMENTO

AO VIVO NAS FEIRAS NOVAS 2011 (PONTE DE LIMA) – 9 DE SET

Colectivo de Gomo, Selma Uamusse (Wraygunn), Marta Ren (ex-Sloppy Joe e Bombazines) e Miguel Ângelo (ex-Delfins)

Produção e direcção musical de Francisco Rebelo (Cool Hipnoise, Cacique 97 e Cais Sodré Funk Connection) e João Cabrita

Movimento revisita uma série de clássicos nacionais dos anos 60 e 70, de “E depois do adeus” (Paulo de Carvalho), a “Verão” (Carlos Mendes) e “Flor sem tempo” (Paulo de Carvalho), de “Começar de novo” (Simone de Oliveira) a “O louco” (Conjunto Académico João Paulo), entre outros, numa abordagem de inspiração Soul clássica mas carregada de sintomas de modernidade.

Quer em disco, quer ao vivo, o Movimento assumir-se-á como uma oleada orquestra, composta por cerca de 12 elementos, onde, para além das 4 carismáticas vozes, se destacará o “groove” duma secção rítmica certeira e poderosa, a energia dum naipe de sopros carregado de brilho e intenção e o calor dos arranjos sempre surpreendentes e de um gosto irrepreensível.

Há um movimento perpétuo na música. Com ou sem consciência somos constantemente levados a mergulhar na história da música com os seus ideais, com as suas modas, com os heróis – uns idolatrados, outros ignorados e que, por vezes, só tardiamente são reabilitados. Por todos os compositores, músicos de estúdio, gente de um talento imenso que aparece invariavelmente “escondida” na ficha técnica dos discos, mas que dá alma à música gravada.
Recuemos até aos anos 60 e 70 a um Portugal que, apesar de orgulhosamente fechado ao mundo, teimava em produzir música Pop cumprindo todos os cânones de uma boa canção. E a prova de serem grandes canções está no facto de terem atravessado décadas. E a melhor homenagem a um passado musical é rever os ensinamentos e produzir algo de novo. E, já agora, que seja surpreendente. Como é o caso.
Um grupo de amigos com interesses comuns reuniu-se num projecto a que deram o nome de MOVIMENTO. E o “movimento” que fizeram foi colocarem muito Groove em clássicos da música portuguesa. Um Groove implacável, com a transpiração de uma soul music de roupagens clássicas que orgulha qualquer adepto da “northern soul” mais rigorosa e entusiasmante. E quando dizemos entusiasmante, queremos mesmo dizer que cumpre a sua função prioritária: animar. Este é um estado de espírito que percorre as 11 canções deste disco. Quando o maestro Thilo Krassman com o seu Thilo’s Combo compôs “All around lisbon” seguramente estava muito interessado em animar as soirées dançantes em qualquer pista de hotel mais chique de Lisboa, ou numa festa de amigos em que a palavra Pop já começava a ter uma noção mais cosmopolita. Passadas décadas, o Movimento não esteve com meias medidas e achou que teriam de revisitar essas canções com um Groove definitivo. Metais em brasa, arranjos certeiros, com um wha wha constante de ritmo. E o “Movimento” repete esta abordagem ao longo das 11 canções que fazem parte deste disco de estreia. Um disco gravado em Lisboa por um grupo de músicos que acima de tudo são fãs de música.
Mas este também é um disco que poderia ter sido gravado em Brooklyn na casa-estúdio dos Dap-Kings.
Imagino os Movimento em amena cavaqueira com Sharon Jones, Aloe Blacc, Janelle Monae, Mayor Hawthorne, Elli Papperboy Reed. Teriam muito que falar. E ouvir. Velhos discos de Soul e Funk. Pop sofisticada. Conversas sobre grandes arranjadores e produtores de um passado que deixou marcas e que agora uma nova geração faz o favor de o mostrar com toda a modernidade.

Que bom saber que grandes canções do imaginário Pop nacional dos anos 60 e 70 sobreviveram ao teste mais cruel: a passagem do tempo. Carlos Mendes, Sheiks, Thilo’s Combo, Paulo de Carvalho, Simone de Oliveira, Conjunto Académico João Paulo e Tonicha foram submetidos a uma sentida e invulgar homenagem. Quatro cantores “possuídos” por um “doce balanço”, onde uma secção de metais completamente endiabrada teima em manter Miguel Angelo (ex-Delfins), Gomo, Selma Uamusse (Wraygunn) e Marta Ren (ex-Sloppy Joe e Bombazines) em constante tensão rítmica. E que secção de metais esta composta pelo João Cabrita, José Raminhos, Miguel Marques e Jorge Costa! Francisco Rebelo e João Cabrita fizeram o favor de produzir e trabalharem em arranjos certeiros. Os Funk Brothers do grupo – a secção rítmica – são Rui Alves na bateria, Francisco Rebelo no baixo e Tiago Maia na guitarra. João Gomes percorre todo o disco com um trabalho nas teclas que tem a contenção e equilíbrio que tantos procuram e poucos alcançam.
Este é um trabalho de pormenores – e é bom recordar que, invariavelmente, os pormenores fazem a diferença. E se em muitos momentos os pormenores são citações emocionadas a um legado musical, convém reafirmar que a modernidade passa por conhecer e saber usar tudo o que o passado nos pode ensinar. E, já agora, ter as referências que interessam.
Primeiro, a capa: César G. Villela , um designer brasileiro que nos anos 60 ajudou a provocar uma revolução musical que ainda hoje é alicerce da música que conhecemos, ficará agradecido por ter sido inspiração. Este carioca desenhou nos anos 60 centenas das mais belas capas de discos da bossa nova. Deixou uma marca. E os Movimento fizeram o favor de o homenagear.
“Stereo 360”, uma das siglas mais bonitas alguma vez impressa num disco de vinil, era a marca da editora Columbia. Dos velhos discos da Columbia. E curiosamente estes discos eram distribuídos em Portugal nos anos 60 e 70 pela Valentim de Carvalho. E depois de um longo “movimento” ao longo de muitas décadas, as duas “casas” voltam a encontrar-se. Isto faz parte de uma história musical. São detalhes de uma produção cuidada.
Depois a foto: 4 cantores em pose motown, ou northern soul, ou numa clara referência à elegância de uns Style Council liderados por Paul Weller ou a um imaginário cinematográfico onde Steve McQueen ou velhos filmes como “Bullit” servem de inspiração. Mas tal como Tarantino no cinema, todas as referências do passado são objecto de estudo para realizar filmes que são de uma modernidade absurda.
Os Movimento não gravaram um disco de versões. Não olham saudosisticamente para um passado. Acima de tudo, acreditam no poder das grandes canções que, por acaso, foram escritas nos anos 60 e 70. E acreditam também que o Groove é mesmo bom para confortar a alma e o corpo.

(Joaquim Paulo, Fevereiro 2011)

Autor: inside