SARA TAVARES

Balancê

E ao terceiro álbum Sara Tavares assume-se definitivamente como uma das cantoras e compositoras que mais importa ouvir na Lisboa mulata do século XXI.

Fazendo parte de uma segunda geração de africanos que agora se começa a afirmar no panorama musical português e internacional, Sara Tavares atingiu em “Balancê” um grau de sofisticação da sua arte que a transforma numa das mais distintas representantes da miscigenação musical, tal como é praticada em Lisboa.

Afastando-se conscientemente da tradição que alimenta o grande caldeirão da música étnica ou de raíz, “Balancê” investe decididamente na pesquisa de uma sonoridade muito própria que Sara Tavares foi construindo ao longo de uma carreira com mais de uma década. O novo álbum, terceiro da sua discografia, funciona como um retrato – por vezes, um retrato sonhado – de uma cantora e compositora que residindo em Lisboa não esquece as suas origens cabo-verdianas ou as paisagens emocionais que percorreu durante as inúmeras viagens que tem levado a cabo um pouco por todo o mundo.

A música de “Balancê” é, também por isso, uma síntese notável de várias coordenadas geográficas, fruto de um processo e de uma vivência que Sara Tavares foi aprofundado ao longo da sua carreira. É aqui que se encontram sinais de um reencontro com a música de Cabo Verde, do Brasil, de Portugal e de tantos outros lugares, agora convocados pela voz e pela guitarra de Sara Tavares para se reunirem na combinação singular que são as canções de “Balancê”. Por isso, esta é música do mundo; e do mundo dos nossos dias.

Ao longo do seu percurso, Sara Tavares foi procurando, e aprofundando, o seu próprio lugar na música, de maneira que não se encontra melhor definição para o seu talento do que estas treze canções que fazem parte do alinhamento de “Balancê”. Não deixa de ser curioso como este processo a conduziu a uma cada vez maior depuração das suas canções, decisiva e decididamente marcadas pela forma gingada e doce como toca guitarra e canta. A sua busca da pureza e da perfeição chegou, finalmente, a um patamar que é capaz de a transformar numa cantora e compositora onde converge o melhor da tradição musical africana, mas agora lançada aos quatro ventos.

Não é por isso de estranhar que em “Poka Terra” haja encontro marcado com Melo D (ex-vocalista dos Cool Hipnoise, agora a solo) para um rap irresistível, ou até para uma divertida incursão numa canção dos Kussondulola (“Jacaré”). Ou que em “De Nua” se recupere o lado lunar do fado com a colaboração de Ana Moura, desta vez com uma letra escrita em parceria com Mário Lúcio de Sousa dos lendários Simentera. Ou que o Brasil apareça aqui e acolá, num enorme abraço do tamanho do Atlântico. É ela própria quem o diz na letra de “Balancê” que esta é “Uma dança nova / Mistura de semba com samba / De mambo com rumba”, tentando uma definição para uma música que não cabe em prateleiras nem em classificações redutoras. Por isso, “Planeta Sukri”, em dueto com Boy Gê Mendes, deveria ser suficiente para acabar de vez com todos os rótulos.

Além de mostrar um músico exemplar, “Balancê” documenta também, com igual rigor e mestria, uma espiritualidade que não se confunde com religiões, mas que assenta na confiança em valores universais como a paz e o amor. “Bom Feeling” podia ser a letra de um reggae, ao passo que “Lisboa Kuya” (texto de Kalaf, dos 1 Uik Project) assinala a vontade de ganhar os dias simplesmente vivendo. Por seu lado, “Amor É” funciona quase como um bater do pé sobre o ideal do amor. Tudo fica mais claro, no entanto, quando Sara Tavares recupera o lema “One Love”, de Bob Marley, para construir uma canção cantada numa miscelânea de inglês, francês, português e, muito obviamente, crioulo: “Um só povo, um só coração, one love” serve obviamente como resumo das intenções manifestadas em “Balancê” mas isso seria também esquecer toda a naturalidade e espontaneidade que fluí da música, do canto e do toque de Sara Tavares. E são esses atributos que também transformam este disco numa obra das mais sinceras, singulares, cosmopolitas e contemporâneas produzidas na Lisboa deste milénio.

FONTE: INHA

Autor: Paulo Cardoso Ribeiro