Alanis Morissette

O Vício De Fazer Música

A canadiana surpreende tudo e todos com este “Supposed

O Vício De Fazer Música

está de volta, com o aguardado sucessor de “Jagged Little Pill”. Ultrapassada a pressão do segundo álbum, a canadiana surpreende tudo e todos com este “Supposed Former Infatuation Junkie”. Alanis Morissette nas suas próprias palavras, nas linhas que se seguem.

Alanis Morissette por Alanis Morissette

O nome do álbum

“Supposed Former Infatuation Junkie”, qualquer coisa como “supostamente ex-viciada na paixão”, numa tradução muito livre…

“No passado, quando me sentia apaixonada por alguém, eu queria passar por essa fase rapidamente, se não mesmo saltá-la, porque sentia que o controlo me escapava … as relações significavam confusão e dor para mim … depois de perceber o porquê da existência das relações e depois de me perceber a mim própria melhor, posso novamente sentir o prazer de estar apaixonada…”

As músicas

“Front Row”

“Um rio de consciêncialização construído a partir de três conversas ou situações diferentes, que me inspiraram de alguma forma. O refrão permite-me exprimir o quão previligiada me sinto por ser capaz de me aproximar de certas pessoas e criar-lhes um ambiente no qual elas se sintam seguras … de forma a que as possa conhecer como um todo, sem estabelecer juízos de valor”

“Baba”

“A minha experiência directa com o materialismo espiritual dentro de certas comunidades (particularmente no oeste) e o idealismo das práticas espirituais orientais/exóticas … apercebi-me da dissonância entre a competição, o elitismo e a capacidade de julgamento no seio de algumas destas culturalmente adoptadas práticas e rituais, para além do conceito de compaixão”

“Thank You”

“O primeiro tema escrito com o Glen para o álbum … depois de ter parado pela primeira vez na minha vida, vivendo uma sensação de profunda quietude, fiquei com uma sensação incontrolável de gratidão, inspiração e compaixão … para mim, fez todo o sentido que este fosse o primeiro single, uma vez que engloba o sentimento do qual todas as canções do álbum nasceram”

“Are You Still Mad”

“Em “Jagged Little Pill”, eu reagi agressivamente em relação a certas pessoas e situações, o que resultou numa libertação incrível … nesta canção, permito-me a mim própria a reacção emocional (que eu acho importante), ao mesmo tempo que assumo a minha responsabilidade pelo papel que desempenho nas relações, o que resultou num estado de clausura do qual não me tinha apercebido”

“Sympathetic Caracter”

“Precisava de ir à raiz do meu receio do conflito e da raiva. Vivemos numa sociedade que vê a raiva como algo que deve ser reprimido ou algo que é explosivo e destrutivo … não somos educados a exprimir a nossa raiva, de forma a que esta surja de uma forma não destruriva. Este tema retrata o tempo que passei com pessoas que não conseguiam conter a sua raiva. A escrita desta canção permitiu-me ver a raiva como algo natural e a não recear a minha”

“That I Would Be Good”

“Estava a meditar no meu armário e perguntei a mim mesma «o que é que tu queres?»”

“The Couch”

“Esta canção foi construída com base numa coversa que tive com o meu pai sobre a história da sua vida. Consegui vê-lo por aquilo que ele era (para além do seu papel como meu pai), pela primeira vez. Foi muito bom para ambos”

“Can´t Not”

“Este tema foi escrito em 1995, depois do início da tourné de “Jagged Little Pill”, e reflecte o meu estado de espírito na altura. Foi originalmente gravada como um lado B, mas depois acabei por incluí-la no disco”

“Ur”

“Uma breve retrospectiva sobre a minha “carreira”, em ordem cronológica. O primeiro verso refere-se aos meus 10 anos. O segundo é sobre aminha adolescência. E o terceiro é sobre a altura posterior à digressão de “Jagged Little Pill”. Uma parte do refrão representa a perspectiva de outras pessoas sobre a minha vida e outra parte representa a minha”

“I Was Hoping”

“O refrão deste tema é sobre o meu entusiamo com a relação que vivia na altura e o que esta estava a trazer de bom para ambos. Nunca tinha percebido a vantagem da segurança e intimidade, ou o grau de consciencialização que era necessário para estar numa relação como aquela. Os versos são a minha versão de três conversas/experiências separadas”

“One”

“Eu sentia-me suficientemente à vontade com esta pessoa para lhe mostrar partes de mim que precisava de explorar, de forma a mudá-las. Não o fiz no passado por medo de ser julgada. Se tivesse sido julgada, não as conseguiria ultrapassar. Também explorei e compreendi o conceito da nossa interdependência”

“Would Not Come”

“Revelações baseadas no que se passou nos últimos três anos, em particular. Fama, dinheiro, “status” … a sensação constante de que tinha de olhar de fora para dentro para me compreender e para sentir feliz. Ter de alcançar, correr, agarrar ou tornar-me outra pessoa, de forma a ser aceite. Transpô-lo para o papel permitiu-me perceber o quanto me estava a prejudicar. Não devemos pôr a nossa felicidade nas mãos de outros”

“Unsent”

“Esta canção surgiu quando descobri que ainda havia imensas pessoas de quem nunca me tinha aproximado … romântica, platónica ou profissionalmente. Alguns dos nomes são alcunhas, outros são variações e outros são os nomes verdadeiros … falei com algumas das pessoas que inspiraram os versos e apercebi-me que esta canção permitiu-me aproximar dessas pessoas directamente, sem ter de o fazer através da música”

“So pure”

“Tanto a raiva como a alegria foram igualmente vulneráveis para mim, em determinadas alturas da minha vida. Deixei-me apaixonar e inspirar por pessoas que são, inexoravelmente, elas mesmas”

“Joining You”

“Retrata a ajuda a um amigo que questionava o seu próprio sofrimento, ao dizer-lhe que aquilo que somos é superior à imagem que a sociedade impõe de nós próprios”

“Heart Of The House”

“O meu tributo à minha mãe e à feminilidade em geral. Pensei no meu papel numa sociedade sobretudo patriarcal e nas qualidades masculinas que tenho de adoptar para ser tratada com o respeito merecido. Ao fazê-lo, estava a ser injusta para comigo mesma. Ao encontrar o ponto de encontro entre o masculino e o feminino, não pude deixar de honrar a minha relação com a minha mãe e a minha própria feminilidade”

“Your Congratulations”

“Ao sentir durante tanto tempo que tinha de comprometer o meu poder, inteligência ou talento, de forma a não perder os afectos daqueles que amava. É um tema sobre cedências. E como eu preferia que ninguém tivesse de perder ou ganhar. Estando na ribalta dede pequena, sofri com falta de atenção, por todos acharem que era o centro das atenções, não precisando da deles”

A pergunta inevitável

“Vejo cada disco que fiz como um instantâneo de determinada altura da minha vida. Sinto-me realizada ao perceber que as canções são representativas do meu estado de espírito na altura. Ao afastar-me do meu trabalho, consegui escrever num sítio onde me senti amada e inspirada (mesmo que fossem palavras de dor e confusão). Considero os meus álbuns como sendo “sucessos” no momento em que estão terminados e nunca criei expectativas em torno deles”

O álbum

Alanis Morissette é a artista feminina que mais discos vendeu na história da música. Só por si, a estatística é impressionante e dificilmente ultrapassável. “Jagged Little Pill” veio, juntamente com “Tuesday Night Music Club”, de Sheryl Crow, recriar uma noção há muito ultrapassada – o “female rock”. Consequentemente, a pressão do segundo álbum é ainda mais acentuada.
Traçadas as conjunturas que envolvem o lançamento de “Supposed Former Infatuation Junkie”, Alanis Morissette podia optar por um de dois caminhos – repetir a fórmula e assegurar uma reforma vitalícia ou lançar um álbum totalmente inesperado, notoriamente influenciado pelas suas longas estadias na Índia. Desiludam-se, então, fãs. “Supposed Former Infatuation Junkie” não é um álbum comercial. Dificilmente poderá originar verdadeiros hinos radiofónicos, como “Oughta Know”, “Ironic” ou “Head Over Feet”. No entanto, não deixa de ser um álbum essencial para assegurar a vitalidade da canadiana. Porque lhe permite a total liberdade de expressão. Porque é uma forma alternativa de lidar com o sucesso de milhares de discos vendidos e a pressão adjacente. “Supposed…” é o disco da maturidade e ainda bem que Alanis Morissette optou pelo caminho potencialmente errado.
Os temas do álbum são, novamente, introspectivos. Retratam relações, experiências, sentimentos, afectos e todas os outros assuntos do coração. No meio da raiva de Morissette, encontramos pequenas pérolas de beleza irrefutável, como “That I Would Be Good”, “Heart Of The House” ou “Your Congratulations”. E se Alanis Morissette constrói canções enternecedoras com um dom e emotividade inigualáveis, também o faz para gritos de guerra, como “Baba” ou “Front Row”. Destaque também para o lindíssimo single, “Thank You”, por nos trazer um pouco da Alanis do tempo de “Jagged Little Pill”.
“Supposed Former Infatuation Junkie” é um álbum importante e necessário. Sobretudo, para mostrar ao mundo que Alanis Morissette é mais que um conjunto de “hits” da MTV. Que é capaz de, a par com os tais “hits”, construir canções de um sufoco aflitivo e de uma raiva construtiva. Que Alanis Morissette atingiu a maturidade.

André Freitas

Autor: inside