Entrevista com Maria Ana Bobone
INSIDE – Como surgiu a música na sua vida?
Maria Ana Bobone : A música sempre fez parte da minha vida desde pequena. Vivi sempre num ambiente muito musical. Os meus pais, ambos tocavam piano, e a música era realmente uma coisa muito natural, no seio da minha família.
Claro que sempre achei que era um caminho muito arriscado, e por isso fui tirar um curso, e acabei por tirar Jornalismo. Andei também no Conservatório, não para que isso me trouxesse trabalho, mas para saber, para aprender.
Comecei por tirar um curso um Curso Básico de Piano e depois mais tarde o Curso de Canto que acabava por ser o instrumento que mais usava: a voz.
Acabei por viver da música, mesmo não tendo sido essa a minha opção de vida, porque ou dava aulas de música, ou cantava e ganhava para viver.
Tentei o Jornalismo durante um tempo, logo a seguir a ter terminado o curso, mas achei que definitivamente essa não era a minha vocação.
Para mim tudo acabou como disse, por ser um processo muito natural. Mais tarde optei então mesmo pela música.
INSIDE: Porquê o Fado?
Maria Ana Bobone: O Fado foi uma contingência. Eu não tinha ninguém na família que tivesse ligações ao Fado. A história romântica do “nasci na Madragoa”, não é verdade no meu caso. Vivi em Alfama, mas isso não pesou, mesmo tendo adorado lá viver.
Lembro-me dos dias de sol, dos dias de Inverno, e até do rádio lá fora a tocar Fado, mas não foi isso que me fez decidir cantar o Fado.
O Fado quando surgiu quando o Fadista João Braga me convidou para fazer parte de um espectáculo dele, tinha eu 16 anos naquela altura. Tinha-me ouvido cantar num coro da igreja, gostou da minha voz, e convidou-me. Para dizer a verdade estava um pouco longe desta ideia. Sabia o que era o Fado, mas nem era bem o género de música que me cativasse, mas resolvi aceitar o convite.
Fui aprender a cantar o Fado, e entrei no espectáculo.
Os convites a partir daí foram-se sucedendo, e fui ficando. Mesmo não tendo sido uma escolha minha naquela altura, hoje em dia sem dúvida foi um caminho que escolhi e que faz parte da minha vida.
INSIDE – “Nome de Mar”, é o nome do seu último trabalho. Este título foi tirado de uns poemas do Poeta Manuel Alegre. Como surgiu este encontro da poesia com a música?
Maria Ana Bobone: Conheci o Manuel Alegre num Festival de Poesia, na Suécia onde ele ia ser homenageado. Eu cantei algumas coisas da obra dele, e conheci-o pessoalmente, tudo num ambiente de poetas, e foi uma coisa muito engraçada, e o Manuel Alegre para além de me dar alguns conselhos acerca do que eu haveria de ler, ou não ler, disse-me que um dia haveria de escrever um poema para mim. Para dizer a verdade achei que ele era um homem demasiado ocupado para o fazer, mas ao fim de um ano e meio, ele fez-me chegar este poema, a que ele chamou “meu nome, é nome de mar”, que fez chegar às minhas mãos através do João Braga que ele também conhece muito bem, e quando me o entregou entregou-me também a melodia que já tinha feito.
Seguidamente, entreguei a melodia cantada, ao Ricardo Rocha, o Director Musical do meu disco, e ele fez o arranjo, e saiu essa música.
Eu revi-me de tal forma nesse poema que decidi dar esse nome ao álbum, em vez de lhe chamar Maria Ana Bobone.
INSIDE: Este é o seu primeiro álbum a solo?
Maria Ana Bobone: De certa forma sim, porque isso não é rigoroso.
Eu não tive nunca parada. Gravei o primeiro álbum para a Strauss, tinha eu 19 anos, depois passados uns anos, voltei a gravar por uma editora americana, com sede em Tóquio, que tem muito pouca distribuição cá, e está um pouco fora do “main stream”, e nessa altura foram 2 trabalhos. O 1º era um disco do Ricardo Rocha, do João Paulo Esteves da Silva onde eu, dei a minha voz, numa colaboração. No 2º foi já uma tentativa de um álbum a solo, em que eram músicas do Ricardo Rocha e do João Paulo Esteves da Silva, e como nós somos três solistas, acabou por ser difícil esse trabalho ser um álbum a solo meu, mas foi uma tentativa e eu na altura até acabei por afirmá-lo perante todos que era o meu primeiro trabalho a solo, mas acabou por não ser. Este agora sim. Foi um álbum que concebi desde o início, e sem dúvida este acabou por ser o meu primeiro álbum a solo que edito em Portugal, por uma editora portuguesa, para Portugal, e é nesse sentido que ele é o meu primeiro trabalho a solo.
INSIDE: O que é que sente quando canta o Fado?
Maria Ana Bobone: Para responder a esta pergunta, começaria por dizer que é bastante difícil cantar o Fado.
Dizem que para cantar Fado, não é preciso ter uma voz por aí além, e eu concordo com essa afirmação, mas é necessário ter muita musicalidade, e muita sensibilidade artística para se cantar bem o Fado. É uma coisa que se vai apurando.
Para poder interpretar poemas, é também preciso alguma maturidade, não é de qualquer maneira.
É difícil dizer o que é que sinto quando canto o Fado em geral. Posso dizer o que eu sinto quando canto um determinado Fado, porque eu estou a dizer palavras, e estou a sentir essas palavras, e aí é que sinto algo dependendo do significado das palavras de certo Fado. É uma música de emoção e portanto tem de ter alguma força na interpretação.
INSIDE: Porquê a escolha de gravar numa igreja, neste caso a Igreja da Graça, em vez de o fazer num estúdio?
Maria Ana Bobone: Isso foi uma escolha minha, no sentido de afirmar, que o que ali está pode ser ouvido em concerto, e não vai sair muito diferente do que se houve na produção final do CD. Não é diferente da verdade.
Hoje em dia os estúdios permitem imensas situações, e acabamos por ficar um pouco perdidos entre o que é que é a realidade e o que é que não é.
Decidi por isso ir talvez por um caminho mais difícil, mas fazê-lo se grandes artifícios.
Para além disso, a igreja tem um espaço acústico muito bom, muito agradável de cantar, até pela reverberação. Aquela igreja específica é uma igreja muito bonita, e quando o que está à nossa volta é muito bonito, também nos inspira e nos influencia. Os últimos discos que gravei já tinham sido gravados na Igreja da Graça, e sinto-me muito bem lá dentro, para além de ser algo familiar por causa dos coros.
INSIDE: Convidou alguns artistas para cantar no seu álbum, como por exemplo Filipa Pais, Tet Vocal entre outros. Como surgiram estas parcerias?
Maria Ana Bobone: Foram ideias que surgiram. Pensei por exemplo em cantar o Fado com outra mulher, mas não como por exemplo, com o que acontece na “desgarrada”, mas como uma forma de cantar que se chama “contrapontistica”, onde os cantores cantam com uma espécie de conta ponto, as vozes conversam. Cantam ao mesmo tempo, mas não cantam paralelas, e isso é aplicar uma técnica da música digamos Barroca à música do Fado e eu achei que era interessante, poder fazer isso. Quem de facto o fez foi o Ricardo Rocha, apesar de ter sido uma ideia minha.
Na música com os Tet Vocal, o que se passa é exactamente um arranjo, de 4 vozes em contra ponto, mais uma vez, com uma melodia de Fado por cima. Há aqui uma ponte com a Música Erudita, e não clássica, porque essa é só desse período. Mais uma vez existe uma conversa, entre o Fado e a Música Erudita, em que eu penso que a Música Erudita dá ao Fado, e o fado dá também algo a este género de música.
Esta, penso que foi uma ideia inovadora e interessante e que funciona em determinadas situações, e em determinados sítios onde se pode cantar. Foi uma experiência muito gratificante.
Claro que eu sei que em termos de espectáculos vai ser difícil, juntar todos os artistas que cantam neste trabalho ao mesmo tempo. É bastante complicado.
Eu não baseio os meus espectáculos no disco nesse sentido. Existe um reportório grande, e depois talvez possa numa situação ou noutra convidar um ou outro para participar nos meus concertos. Eu tenho desde o princípio noção disso.
Para mim acima de tudo, o mais importante é deixar o registo em CD. Os espectáculos serão outra coisa.
INSIDE: Por onde vai andar a fazer a promoção de “Nome de Mar”?
Maria Ana Bobone: Por enquanto ainda não tenho espectáculos agendados. A ideia é divulgar, e andar por vários sítios, e por várias salas.
Esta é uma música que não se presta muito a “ar livre”, e por isso não é muito fácil de inserir estes espectáculos por exemplo nos Festivais de Verão, nem é muito adequado.
Penso que é uma música mais de espaços interiores, como Claustros, Auditórios, Igrejas, e outros sítios deste género, onde também de fazem concertos.
INSIDE: Já está a trabalhar em novos projectos?
Maria Ana Bobone: Sim, mas ainda num estado muito embrionário.
Estou já a pensar num novo trabalho, mas que neste momento é ainda um esboço muito vago, mas diferente deste.
Autor: Sandra Adonis