Entrevista com Pierre Aderne
Filho de pai português e mãe brasileira, passou a adolescência em Brasília, tendo depois escolhido a praia carioca como lar e fonte de inspiração para seu trabalho.
Falo de Pierre Aderne, cantor e compositor “carioca por opção”, que lança agora o seu primeiro álbum “Casa de Praia” .
JI – Como se deu a sua saída de Toulouse, sua terra natal, para ir para o Brasil?
PA: O meu pai é Português, professor de Filosofia e a minha mãe Brasileira e professora de Arte e Educação, e na altura em que se conheceram estavam a estudar em Toulouse. A minha mãe estudava Belas Artes e o meu pai estudava Filosofia.
Em tempos existiu uma certa cultura Portuguesa de ir estudar e morar para França e foi aí que eu acabei por nascer, em Toulouse e me chamo Pierre.
A ideia deles era continuar em Toulouse, mas o meu pai nunca tinha ido ao Brasil, e como Brasília estava crescendo precisamente na altura em que eu nasci e eles receberam um convite para serem professores precisamente lá, acabaram por ir morar para o Brasil.
E foi assim que me tornei hoje um Francês Português Brasileiro (risos)
JI – “Casa de Praia” é o seu segundo álbum. Este é um trabalho sobre uma casa específica, e que existe ou tem a ver com algum tipo de sentimento em especial?
PA – Comercialmente, eu considero “Casa de Praia”, o meu primeiro álbum, embora tenha já feito outros 3 trabalhos antes. Um nunca saiu nem em edição limitada. Na altura houve alguns problemas com a editora brasileira, com os contratos e o álbum acabou por não sair.
Depois houve outro trabalho que se chamou “O Céu e a Língua fazem parte da boca”, do qual fiz uma edição limitada, dei 2 concertos numa casa muito conhecida do Rio de Janeiro que se chama “Mistura Fina”.
O disco seguinte foi um projecto bem independente, que me levou mais tarde a descobrir o “Casa de Praia”.
“Casa de Praia” para mim é como se fosse a minha certidão de nascimento musical. Foi quando eu encontrei um lugar onde eu queria ficar na música, apesar de estar já há muito tempo relacionado com ela.
Demorei algum tempo a perceber que o que eu realmente queria era lançar um projecto de cantautor, porque até aí eu fui sempre trabalhando como compositor para outros cantores.
“Casa de Praia” foi isso mesmo: uma maneira de perceber mais as tonalidades, uma forma mais preguiçosa de cantar, de me encontrar musicalmente.
JI – Em termos de colaborações neste trabalho. Fale-me delas?
PA – “Casa de Praia” foi produzida por mim e por um outro músico, o Dádi, que tem uma história longa na música brasileira. Foi baixista do Jorge Bem, tocou muitos anos com o Caetano Veloso. Hoje integra a banda da Marisa Monte, e fez também a pré-produção dos Tribalistas.
Esse disco apesar de ser meu, é muito de parceria com ele. A sua importância é extrema para a realização deste trabalho, tão extrema que eu acho que ele é sem dúvida o meu parceiro máximo neste projecto, precisamente pela sua ingenuidade, e pela sua espontaneidade, e porque quando ele toca parece uma criança.
É esse o caminho que eu andava à procura, o caminho da simplicidade.
Outra pessoa que também participou foi o Rodrigo Maranhão que compôs duas faixas comigo e participou a cantar também numa dessas faixas e é um dos meus compositores contemporâneos preferidos.
O Henrique Portugal dos Skank, fez um remix. Isso é algo que sempre tive muitos problemas em fazer. Como o Henrique também é artista, DJ, ele viu com olhos artísticos, essa reconstrução da música.
Há também a participação Dudu Fuentes da banda “La fumega”, do Bossa Cuca Nova, e da Alexia bom tempo na música “Astrolábio”.
JI – Já lá vai algum tempo desde o projecto “Habeas Corpus”, que teve com Dunga, Mac William e Tom Capone. Tem pena de não ter continuado com esse projecto?
PA – Bom. Quem decidiu parar esse projecto fui eu. Todos tínhamos 18 anos, e eu não tinha a certeza de que era aquilo que eu queria.
A minha formação sempre foi de Música Popular Brasileira, e eu não tinha a certeza se queria levar para a frente um trabalho de rock.
Tivemos ainda uma proposta de uma editora para gravar, e quando chegou a altura não quis fazer. Então resolvi sair e trilhar o meu próprio caminho.
A parte boa de tudo isto é que todos continuaram no Rio de Janeiro e continuamos todos ligados, uns aos outros e noutros projectos. O Mac Wiliam que era baterista do “Habeas corpus”, agora é baterista da Adriana Calcanhoto. O Dunga é o director musical da Ana Carolina e o Tom Capone agora é produtor musical, se tornou director artístico da Warner, produtor do Lenine e da Maria Rita.
O “Habeas Corpus” surgiu como uma brincadeira, mas acabou por juntar todas estas pessoas, o que muitas vezes é difícil de conseguir e penso que essa é a parte positiva desta experiência.
JI – Qual é a sensação de ver outros cantores, interpretarem as músicas que compõe?
PA – A primeira vez que isso aconteceu foi com o Flávio Venturini, num disco que se chama “Noite com Sol”, e é engraçado, porque no início da minha adolescência, eu ouvia, quando vivia em Brasília, a banda do Flávio Venturini.
Ele tinha uma voz muito peculiar, e a sua maneira muito especial de estar.
Claro que eu apanhei um susto quando ouvi o Flávio cantar uma letra que eu tinha escrito, um dia no meu quarto de uma maneira completamente despretensiosa, e até hoje é das coisas que mais me alegraram.
Gosto acima de tudo da surpresa de ouvir algo que eu escrevi, e de repente alguém estar a interpretá-la.
Apesar de eu ser também melodista, eu gosto muito de ter parceiros, ou seja de escrever a letra, e receber uma melodia que eu nunca tenha visto na vida.
JI – Escreveu também uma música para o filme “Cosme e Damião”, que se chama “Seja o que Deus quiser”. Fazer Bandas Sonoras é algo a que se gostaria de dedicar?
PA – Dedicar-me não sei se gostaria, mas fazê-lo de vez em quando sim. Compor para cinema é algo muito especial.
Este foi um presente que o Murilo Sales acabou por me dar: a oportunidade de compor para este filme, e depois poder vê-lo no grande écran. Foi simplesmente fantástico.
Este é um filme que tem como protagonistas Marília Pêra entre outros grandes nomes, o que o tornou ainda mais especial.
Penso que tenho mais facilidade em fazer música por encomenda, do que de outras formas porque quando escrevo coisas que são muito pessoais, tenho dificuldade em ter a perspectiva da distância.
Resumindo esta experiência foi simplesmente maravilhosa, e quero continuar a explorá-la sempre que for possível.
JI – Sei que deu 2 concertos há uns tempos em Portugal, um no Bar “B-Leza” e outro no “Speakeasy”, um outro espaço em Lisboa. Como é que o público o recebeu?
PA – O “B-Leza” é uma casa Africana muito especial, com uma vibração mito positiva e peculiar
Antes de dar os concertos, tive a oportunidade de conhecer a música de Cabo Verde, como por exemplo do Tito Paris, Nancy Vieira. Foi uma surpresa completa.
Ambos os concertos foram, com casa cheia mas no “B-Leza” foi muito especial porque tinha um silêncio absoluto na plateia. Sentia que as pessoas estavam concentradas e a tentar entender cada detalhe do espectáculo.
Foi muito emocionante também porque as falas foram muito demoradas, penso que herdei isso do meu pai que gostava de ler em voz alta, Florbela Espanca, Fernando Pessoa, José Régio, e talvez por isso aquele concerto me tenha feito muito bem.
Senti-me completamente em casa, e foi bom ver que o que afecta outros países em termos de descriminação, e de situações de exílio, aqui ainda não acontece.
Aqui as pessoas ainda se preocupam o conteúdo do que querem consumir e eu senti isso no espectáculo e para mim foi gratificante.
Fiz também o sagres Surf Festival, mas num outro contexto, foi um concerto bastante maior, havia mais ou menos 5 mil pessoas a assistir e também um mar de tranquilidade absoluta.
JI – Em termos de oportunidades que se dá aos novos valores musicais, existe um grande incentivo, ou por outro lado não existem muitas portas abertas?
PA – Curiosamente as minhas maiores influências foram Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, e Maria Bethânia.
É difícil estar vivo, junto dessa geração que marcou de uma maneira brutal o seu tempo.
Apesar de eles serem extremamente generosos por um lado e geniais por outro é importante ter uma espécie de “bênção” desses cantores fantásticos.
Por outro lado, acho que eles foram mais generosos com a geração que veio a seguir do que foi a geração antes deles.
Ary Barroso, e mesmo Tom Jobim e Vinicius de Moraes, abriram as portas para esses cantores que hoje são os meus ícones.
É uma situação muito complicada, porque acaba por ser difícil chegar onde esses grandes cantores chegaram.
O “Novo”, foi sempre o que mais me fascinou, e ainda bem que existe porque é importante que as águas não fiquem paradas e que corram no rio ou no mar. Acima de tudo o mais importante é que corram.
Quando aqui cheguei tive a oportunidade de conhecer pessoas novas e estilos diferentes e isso me abriu novos horizontes.
JI – Em termos de “Casa de Praia”, vai andar somente a promovê-lo ou já está a trabalhar em novos projectos?
PA – “Casa de Praia” foi lançado curiosamente primeiro no Japão, depois foi no Brasil e agora foi lançado em Portugal.
No Japão eu comecei logo a pensar num outro disco que foi pedido, pela editora de lá, que já tem até um nome provisório que é uma sequência lógica do “Casa de Praia” que se chamará “Mareio”, e que vai ser um disco de parcerias.
Estou trabalhando com o J. P. Simões uma faixa. Devo fazer também uma das músicas com o Tito Paris.
Com o Wilson Simoninha em principio trabalharei em duas das faixas desse novo trabalho.
Este CD deverá ser lançado em 2007.
“Casa de Praia”, no entanto ainda vai ter um grande mar para navegar.
JI – Muito Obrigada.
PA – Muito obrigado também.
Foto: Farol
Autor: Sandra Adonis