FALA JORGE PALMA
Dois jovens estudantes, Tiago Videira e Isa Peixinho deslocam-se a casa de Jorge Palma com o fim de o entrevistarem. Objectivo: Um trabalho final para a disciplina de Etnomusicologia.
O trabalho final foi aprovado com boa nota e a licenciatura concluida. Hoje, quatro anos volvidos, relembramos o que disse Jorge na primeira pessoa…
ENTREVISTA COM JORGE PALMA, REALIZADA EM SUA CASA, NO DIA 29 DE JUNHO DE 2004, POR ISA PEIXINHO (IP) E POR TIAGO VIDEIRA (TV)
IP – Nós lemos que nasceste em Lisboa, cresceste por aqui, depois às tantas fostes para um colégio nas mouriscas que é um colégio interno, que é que aconteceu?
JP – Comecei cada vez mais a faltar às aulas, chumbei o primeiro quarto ano entre faltas e perfeita ausência de motivação, quer dizer, comecei a juntar-me a pessoal que eram uns malandros não é…e…Ou seja, eu fui bom aluno até ir para o liceu, no primeiro ano comecei logo a… Foi uma mudança radical na minha vida porque eu era um menino super protegido, e não sei quê, até à quarta classe, quando fui para o liceu tive um contacto com outras pessoas, com outro mundo, percebes, e muito cedo comecei a experimentar álcool, a fumar… Foi um castigo para conseguir fumar porque eu vomitava cada vez que.. (risos) mas eu tinha que fumar e… Com o whiskey e com a cerveja foi a mesma coisa… Era um bocado aquela onda de me dar com os crescidos, com os mais crescidos, queria portanto ah… Era uma questão social…e comecei a minha mãe ah… O meu pai era bastante ausente ele era uma pessoa, enfim, que eu adorava, simpatiquíssima, bem disposta, cantava, mas muito ausente… E entretanto a minha mãe é que tinha de fazer o papel de…
IP – O seu pai era músico?
JP – Não, o meu pai cantava muito bem, pá, era um aventureiro para todos os efeitos, não era músico profissional, não tocava nenhum instrumento, cantava mesmo muito bem, afinadíssimo, e tinha um repertório que eu aprendi imensas coisas, os boleros, os tangos e canções portuguesas do Tristão da Silva, e desse pessoal todo dos anos cinquenta… Pronto, era uma pessoa que eu adorava estar com ele, mas que por vezes dizia que me ia buscar e depois só aparecia uma semana depois, porque ia para Espanha ou ia não sei quê, portanto, a minha mãe é que tinha de tentar controlar-me e começou a não conseguir e a coisa chegou a um ponto em que eu já ia chumbar pela segunda vez o quarto ano… O reitor do liceu Camões chamou a minha mãe e disse olhe, isto logo no primeiro período, “o seu filho vai chumbar por faltas, aconselhamos, para não chumbar duas vezes o quarto ano”… Fui convidado a sair, no fundo… E… Porque eu andava, quando queria faltar a uma aula saía do liceu, fugia pelos telhados se fosse preciso, fazia todos os truques possíveis e imaginários, e o desfecho é um assalto numa igreja quer dizer, à caixa das esmolas; faço um esquema, nem sequer eram colegas do liceu, eram colegas do bilhar, do café, não é, e… A coisa deu para o torto e uma semana depois estava a fazer as malinhas para ir para o colégio interno ah…onde eu acabei por…fiz um quinto ano bom, passei lá três anos ainda, já estava no sétimo ano, aí já com dezassete anos… Entrei numas férias da Páscoa, fui para Lisboa, vim para o Algarve e não…
IP – Foi quando começaste com os Blackboys…
JP – Com os Blackboys, exactamente… Tu já sabes essa parte, entretanto, música clássica também foi ao ar, não é, deixei de ter aulas, comecei a ficar com o dinheiro que ia… Era para a professora, comecei a gastá-lo, e a professora achou estranho, né, ao fim de dois ou três meses… Sei lá, ela conhecia a minha mãe, sabia que a minha mãe não era pessoa para falhar, não é?
IP – Mas saíste do conservatório para continuares…
JP – Eu não estava no conservatório, eu fazia exame no conservatório, mas estava com uma professora particular que era a Fernanda Chichorro, com quem eu voltei a ter aulas já com trinta e tal anos; foi ela que me preparou ainda para entrar para o conservatório pa…pa fazer o sexto ano e…para fazer o sexto ano ou para fazer o quarto? Para fazer o quarto, pois. Quando fiz o quarto já foi no conservatório, mas de qualquer maneira pronto ah, andava a portar-me muito mal não era? (risos) E…e foi o melhor que fizeram, a minha mãe falou com o meu pai, e pronto, acharam que não havia hipótese; por aquele caminho ia parar à prisão mesmo… Dava-me com o piorio, os meus amigos eram malta tipo… Quer dizer, não era como agora, pistolas e seringas e não sei quê, mas era malta tramada, rufiões…(risos) E o ter ido para o colégio fez-me… Porque o director era um gajo muito humano… Aliás, muito humano e óptimo professor de matemática e de ciências, física, etc, mas um gajo muito firme, rijo, austero… Quando era para o duro o gajo… Levei bofetadas, o gajo, pronto, pôs-me na linha e fez-me bem porque apesar de não ter acabado o sétimo ano nessa altura… Pronto, houve esse episódio desse Verão no Algarve, pronto, depois a coisa no fim desse Verão já estava ai, ai, ai, como é que é…
IP – Mas já estavas a tocar em hotéis ou…
JP – A gente tocava ah… Dávamos alguns concertos mas era sobretudo alguns hotéis, boites, casinos… Mas no fim do Verão a coisa… Ganhava-se muito mal, não é, e eu estava a ver: “e agora como é que é?” E o meu pai fez uma aparição muito oportuna, num sítio onde eu estava a tocar, assim uma boite manhosa (risos)… Eram os únicos clientes, estava a tocar qualquer coisa, “olha o meu pai”, e tal, e o gajo convidou-me, “pá, não queres acabar o sétimo ano, vens viver comigo” e não sei quê… Fiquei lá mais dois dias ou três a pensar e claro que sim…depois ah… Vivi com ele três anos, ele entretanto por questões pessoais saiu do país e eu fiquei sozinho; entretanto estava na faculdade já e começava a desinteressar-me daquilo que não era…
IP – Qual era o curso?
JP – Engenharia… Estava aqui na Faculdade de Ciências ah… Estava no segundo ano, no terceiro ano teria de ir para o Técnico, mas eu ia chumbar o segundo ano…
IP – Não tinhas escolhido, então, uma engenharia específica?
JP – Não, não, o geral podia-se fazer ou no Técnico ou na Faculdade de Ciências e eu fiz na Faculdade de Ciências e já tinha uma cadeira atrasada do primeiro, e desmotivei-me completamente. Comecei a ganhar dinheiro com a música e a fazer arranjos, a compôr, pronto, comecei a meter-me no meio musical, concertos com as bandas rock e não sei quê ah… Percebi que… Que era possível sobreviver ah… Depois tinha um espírito aventureiro muito vivo, percebes, acho que herdei do meu pai… E da minha mãe também, ela era um bocado virada assim… Apesar de nalguns aspectos não ter o mesmo sentido de humor do meu pai mas… Não sei, nunca tive assim muito medo do futuro, do risco, pelo contrário, portanto, resolvi arriscar e sabia que iria para a tropa chumbando, não é, e comecei a considerar a hipótese de me pirar e foi o que eu fiz. Quando fui mobilizado, quando fui… Era suposto entrar, fui um refractário, pirei-me para a Dinamarca porque entretanto tinha conhecido um encenador Dinamarquês, tinha trabalhado com ele, que me ofereceu casa, que “olha se decidires ir para a Dinamarca tens guarida”. Tudo bem, ok, porreiro, daí eu ter ido parar à Dinamarca, eu e a minha namorada, que depois casei com ela lá, para ela poder ficar, porque eu entretanto pedi asilo político, asilo de refugiado… E pronto, entretanto dá-se o 25 de Abril, e eu já conhecia toda a gente aí, músicos e o pessoal das editoras que havia poucas ah…só tínhamos um canal de televisão, na rádio também havia 3 ou 4 estações, e toda a gente me conhecia, portanto no meio as pessoas, “olha o puto tem jeito” e não sei quê… Naquela altura já tinha provado que tinha jeito, os gajos chamavam-me para tocar piano ou órgão ou não sei quê, em gravações, pediam-me para escrever; entretanto comecei a trabalhar com o José Carlos Ary dos Santos, comecei a conseguir escrever letras em português, e a técnica dele eu absorvi-a como uma esponja e o gajo foi porreiro para mim, era o puto e tal, deu-me imensa força e coragem…
IP – Isso também porque escrevias muito em Inglês, naquela altura?
JP – Eu escrevia em Inglês, letras que agora rio-me, não é, do que me lembro; aliás, o primeiro disco foi gravado em Inglês e é evidente que é um inglês eu agora escreveria, aliás, escrevi depois, de uma maneira mais coloquial.
IP – O The Nine Billion Names…
JP – O The Nine Billion Names of God está escrito de uma maneira que não é bem assim (risos) que as pessoas falam, escrevem… É um bocado colegial, mas pronto foi fundamental em qualquer dos casos, mesmo depois em relação ao inglês, foi fundamental o meu convívio as leituras, as letras das canções, não só em relação à língua, mas em relação ao espírito, às coisas que eles diziam, aliás, o Dylan, o Cohen, esse pessoal todo, os Beatles, os Stones, o Elton John, neste caso as letras eram do Taupin ah… Eu lia avidamente essas letras que tinham conteúdo, tinham uma estética também que me agradava, não é, tudo aquilo e da parte do Ary não foi tanto o lado estético que, por exemplo, se nota no Fernando Tordo, que continua a seguir mais ou menos a mesma linha, que é um bocado a chanson, é mais para o lado do Brel, se bem que o Brel também seja o maior… Mas isso já eu descubro o Brel muito mais tarde, já nos meus trintas e tais porque as minhas influências eram anglófonas completamente era rock desde os Led Zeppelin, como letras esse tipo de rock não era grande coisa não é, mas havia o Dylan que eram letras que eu lia e decorava e entendia e assimilava…
IP – Pois, também tem um pouco a ver com o contexto social de Portugal, a
motivação do Dylan como base para tu também fazeres a tua própria crítica…
JP – Exacto, exacto… Foram… Despoletaram um sentido crítico, avivaram-me o espírito de liberdade, também… Foram eles que me atiraram para a estrada, os poetas da beat generation, os Dylans e Cohens e na música o Neil Young, o Paul Simon, esse espírito todo foi alimentado por essas pessoas, por esses discos que eu ouvia e foi com essa força que eu fui buscar a esses sons e esses livros, foram eles que cimentaram uma força, um espírito de não há-de ser nada, mas para a estrada sem medo e foi fundamental e o Ary na técnica, na habilidade, no talento, que o gajo tinha a escrever, a transformar numa letra uma coisa sem sentido em vinte minutos. Ele começava a dizer, fixava-se na letra, na métrica, na prosódia, coisas sem sentido, tipo “o gato cospe no frigorífico” (risos), coisas desse género, e ao fim toca lá outra vez e tal, e ao fim as coisas começavam a ter nexo, e ao fim de meia hora tínhamos uma canção ali, melhor ou pior, mas uma coisa com pés e cabeça. E eu absorvia essa técnica, a manipulação das palavras. Foi extremamente importante. Depois comecei a usar essa técnica e começou a ser cada vez mais fácil para mim encaixar palavras, dizer aquilo que me apetecia em qualquer melodia, podia demorar mais ou menos tempo mas conseguia.
IP – Esse contacto é posterior ao teu regresso da Dinamarca?
JP – Não, é anterior, isto passa-se em 72, estava eu ainda na faculdade mas ia cada vez menos ah… O ano de 72, 73 até ao verão até Setembro, esse ano e meio foi de convívio intenso com o Ary sobretudo. Quase todas as noites estávamos juntos em festas, jantares, bebedeiras, aquelas coisas, e sempre rodeados, sempre a encontrar imensa gente, Natália Correia, Luís Stau Monteiro, conheci pessoas… A Amália, pessoas extremamente interessantes. Havia assim essas tertúlias. Por outro lado, noutro ambiente, pessoal do rock, pessoal, portanto, da minha idade, que se mexia no meu meio a tocar os covers dos Zeppelin, Deep purple, sei lá Stones…
IP – O Sindicato, o nome escrevia-se com c ou com k?
JP – Eu pensava que era com k, mas no disco aparece com c… Portanto mas a ideia era sindicato do crime (risos), o espírito era completamente…
TV – Só uma curiosidade, o Jorge começou exactamente com covers, depois quando é que se deu o salto assim do Jorge com covers para o Jorge original?
JP – Eu comecei… Queria escrever as minhas canções, percebes? Mas a gente tocava eram covers… Mesmo a canção original que a gente gravou no disco do Sindicato, aquilo foi escrito aos bocadinhos: uma frase deste, uma frase daquele, muito insipiente, e depois, pá, foi muito… Eu tinha um desejo enorme, eu queria mesmo conseguir escrever, primeiro em inglês, ah, depois tive esta, pá queria escrever em português, queria escrever… Não era fados nem agora o que se ouvia na rádio…
TV – O que é que te movia nessa altura?
JP – Pá, o que é que me movia, pá queria a festa pá, associada a música, a música mulheres e vinho, sexo drogas e rock n’ roll (risos)…
IP – Trocaste pelo o fado e pelo futebol…
JP – Não, aliás, eu agora aprecio fado, algum fado, doutra maneira, mas detestava fado e futebol e essas coisas.
TV – Por causa do fado agora me lembrei, tu na Expo 98 gravaste um anúncio a cantar o Lisboa, menina e moça. Tu gravaste a música completa? É que no anúncio só se ouviam 45 segundos assim uma coisa…
JP – Era… Ou seja, eu cantei a música toda e acho que se chegou a gravar a música toda, mas a ideia nunca foi a música toda mas só aquele bocadinho. Mas aprendi a cantá-la; ouvi o Carlos do Carmo e tal, e pronto, depois cantei à minha maneira, pronto, foi porreiro. E agora sou fã…. Sou fã do Carlos do Carmo, do Camané, da Aldina, etc. Há aí gente a cantar fado que me dá gozo.
(Conversa dispersa e irrelevante acerca da Aldina Duarte. Optou-se por excluir esta parte.)
IP – O Jorge chegou a ficar com cadastro policial?
JP – Não, (risos) porque eu tinha 14 anos. Aconselharam a minha mãe e o meu padrasto, que foram as pessoas que me foram buscar à esquadra, a ter cuidado comigo! (risos)
IP – Tenho mais uma curiosidade, no Sindicato, o Ricardo Levi fazia parte do agrupamento?
JP – Era, inicialmente era o vocalista e tocava guitarra, depois, quando o Sindicato virou para a fusão Rock/jazz, os sopros, nomeadamente, o Rão Kyao e o Rui Cardoso que eram os gajos do jazz, portanto, com os Coltranes todos Charlie Parkers e não sei quê, o grupo virou e criámos um vocalista tipo David Clayton Thomas dos Blood Silent Tears ou do Chicago, com um vozeirão que é mentira, a banda virou completamente de rumo. Então, aí, tivemos outros vocalistas, mas o grupo de qualquer maneira estava-se a desintegrar-se porque era gente muito diferente, com ideias, com percursos, com caminhos diferentes, com perspectivas diferentes, não é? Nessa altura o Rão ainda não sonhava que iria apaixonar-se pela flauta de bambú, mas era um gajo do jazz. O Rui Cardoso era um irredutível amante do be bop a tocar com uma banda rock; o gajo estava sempre a criticar (risos); havia uns que era mais para o hard rock e eu fui absorvendo, fui aprendendo com eles. Foi quando comecei a fazer arranjos. Foi precisamente a copiar, a tirar as vozes dos saxofones, das trompetes e trombones dessas bandas e comecei ah… Quando era a minha vez de fazer arranjos utilizava as terceiras e as quintas…
TV – Portanto foi auto-didacta nessa parte?
JP – Como? Fui completamente auto-didacta até aos meus 40 anos, não… Até ter voltado ao conservatório que foi aos meus 33, tudo o que eu fiz entretanto foi… Eu entretanto tinha tido a iniciação musical, sabia escrever, não é? Escrever na clave de sol e na clave de fá, depois a clave de dó fui eu que a estudei (risos) mas pronto, sabia o fundamental e com uma maior ou menor lentidão, conseguia… Tinha ouvido, tinha bom ouvido; o sax alto está a fazer isto e sabia escrever, portanto, escrevia os instrumento chave, os transpositores já escrevia, portanto já para eles lerem no caso… Não escrevia o som real, escrevia já para eles… É uma ginástica e no fundo não é tão complicado quanto isso, e como eu fiz bastantes arranjos criei uma prática e comecei a fazer experiências, já que tinha orquestras à minha disposição no estúdio ia experimentando coisas… Agora em vez de terceira vai uma quarta aumentada para ver como isto soa (risos), e foi porreiro, foi uma escola também… Escola de estúdio, os músicos, eles próprios não havia grandes correcções… Eu, por exemplo, para escrever para corda não estava cá a pôr acentuações e não sei quê, aquilo ia escrito e depois eles iam lá e faziam as suas ligaduras e essas coisas e eu ia aprendendo com eles. Eles corrigiam-me e quando havia uma nota errada… Isto aqui não soa muito bem… Ah pois, não era um lá era um sol bemol, um lá bemol ou não sei quê…
IP – Nesse contexto escreve também para a Tonicha, para a Amália…
JP – Para essa gente toda! Toda a gente que… A editora, nomeadamente a Valentim de Carvalho, a Sasseti, quando havia um cantor qualquer que queria fazer um disco, normalmente recorriam a mim para fazer uma letra, uma música, para fazer os arranjos do disco…
IP – Já trabalhavas com a EMI nessa altura então?
JP – Eu andei sempre a saltar um bocadinho percebes? Porque…na altura não era EMI, na altura era Valentim de Carvalho ah… O primeiro disco, esse em inglês, foi para o Manel Trindade, é do catálogo da Movieplay acho eu… Ah, as editoras na altura era a Valentim, era a Sasseti que agora é Strauss e… Mas a maior parte das coisas… E a Polygram, que na altura era a Phillips e agora é a Universal, mas a partir de certa altura, quando a Valentim de Carvalho não estava interessada, “olha não gostamos muito disso”. “Ai é?” Então pronto, “tchau”, passava para outra (risos).
IP – Devias ter contratos flexíveis…
JP – Muito, muito, na altura toda a gente se marimbou nos contratos sempre..
IP – E hoje em dia já te querem agarrar ou não?
JP – Não, eu tenho um contrato assinado com a EMI, houve uma transferência da Universal para a EMI, amigável, antes do Tozé Brito ter voltado, ah… Não sei se houve alguma compensação monetária, pecuniária… Se a EMI deu alguma coisa à Universal, tipo transferência de jogador… Foi um processo natural e se eu não estou satisfeito com qualquer coisa, ou se eles não estão satisfeitos, não vale a pena estarmos a chatear-nos por papéis assinados ou não. As coisas naturalmente têm-se resolvido sempre… “Ah, vocês não estão interessados?” Então pronto, há-de haver quem esteja… E, pronto, tem sido assim.
IP – O Bairro do Amor foi o que marcou então a saída para a Polygram?
JP – Foi, porque o Quarto minguante saiu, a gente fartou-se de discutir porque o pessoal, o David Ferreira, o Chico Vasconcelos não sei quê, não gostaram nada do disco… Continuámos amigos na mesma mas, pronto, eu não quis ceder… Os gajos não queriam lançar o disco sequer…
IP – Como é que se sente quando lhe dizem que não querem lançar um disco seu?
JP – Eu defendo aquilo que lá está, aquilo que fiz, é um disco que eu gosto de ouvir… Eu compreendo as razões deles. Esse disco não tem de facto as canções que eles queriam, como tinha tido o outro, o Lado Errado da Noite. Tinha uma série de canções, tinha o Deixa-me Rir, tinha o Jeremias, tinha o Lado Errado da Noite, Cara de Anjo Mau e não sei quê. O Quarto minguante não tinha nada disso, eu chamava-lhe masturbação de músicos (risos)…! Oh pá, mas olha, deu gozo e gosto do disco e não sei quê… Pronto, e há um espaço até eu gravar o Bairro do amor, há um espaço em que as coisas que eu fiz, também não… Eu próprio não estava a gostar muito daquilo… Finalmente, tenho um leque de músicas e os gajos da Valentim estavam um bocado indiferentes e… Foi o Tozé Brito… “Eh pá, quando quiseres gravar…” “Ok”, então embora…Isso foi na fase em que o Tozé Brito saiu e entrou o Carlos Maria Trindade salvo erro… Ele teve uma série de ARs seguidos… Depois o Carlos Maria saiu e entrou o Nuno Faria que era um gajo que era do grupo com o Jimba, como é que se chamavam os gajos… Um grupo cómico… Faziam uma pop… Não era bem Irmãos Catita, era menos hardcore, mas era algo… Não me lembro do nome deles agora… Mas, portanto, as coisas processavam-se sempre assim, naturalmente; se eu não via grande interesse para pegarem mudava de casa… Agora não sei, não vejo razões para mudar, tenho esplêndidas relações com a EMI e com a Universal… Estou na EMI mas… Não vejo razões para mudar.
IP – O Manuel Moura dos Santos é o teu manager?
JP – É, conheci-o no Rio Grande e gostei da maneira do gajo trabalhar; é muita bruto e não sei quê, mas é um gajo honesto e é um gajo que já sabe… O gajo é manager do Rui há muitos anos e, quando discordo do gajo nalguma coisa, discordo e a gente lá se vai entendendo e, temos uma relação porreira.
IP – Esse projecto dos Rio Grande como é que surgiu, de repente lembraram-se….?
JP – O João Monge tinha escrito aquilo. Pediu ao Gil, mostrou ao Gil, o Gil musicou aquilo tudo e ficou porreiro. Foi aquilo que se viu. Era um álbum simples, não estávamos à espera de… Convidaram-me, portanto, para cantar, para fazer parte do elenco, como convidaram o Vitorino e o Rui e o Tim… E resultou!
IP – Ainda é o João Monge que agora escreve para…
JP – Não. Os Cabeças (referindo-se ao projecto Cabeças no Ar) já foi um filme diferente. Já foi o Carlos Tê que fez uma ópera, uma ópera rock para todos os efeitos. É uma peça musical, é uma peça musical, não é bem uma ópera rock, que o gajo tem na gaveta há que tempos e que parece que agora vai mesmo para… Ser posta no São Luís. Mas aí já foi um filme totalmente diferente…Já não foi o João Gil a compôr, foi o Rui, também, e, quanto a mim, foi menos conseguido. É óbvio que foi menos conseguido que o Rio Grande. O Rio Grande foi tão espontâneo, natural, aquilo saiu assim, sem grandes macaquices. Depois teve o êxito que teve precisamente por isso, porque era fresco, era uma coisa espontânea. O Cabeças no Ar, acho que já foi uma coisa mais fabricada, mais… Acho que mexeram demasiado nas coisas, nos arranjos e não sei quê, complicaram, e à partida aquilo foi extraído dum contexto que é a tal peça ah… Aquilo não foi escrito para o Rio grande, enquanto que o João Monge já tinha escrito aquilo para ser um disco, aquelas canções nem mais nem menos, era aquilo ah… Para todos os efeitos é um disco temático. O Cabeças no Ar foi-se buscar; foram musicar letras do Tê, foram tirá-las do contexto, percebes? Portanto o resultado final já não foi tão, tão expontâneo, tão natural.
IP – E na década de 90 depois tens algumas participações em Teatro…
JP – Tenho, tenho, isso foi porreiro, também, porque escrever para teatro, e, nomeadamente, peças do Brecht, ou então do Esker, um gajo inglês, dá-me um outro tipo de liberdade… É entrar num contexto, num mundo diferente, portanto, tenho personagens em que me inspiro, neste caso tinha texto já, houve textos que eu trabalhei com a Maria Velho da Costa mas já eram textos extraídos da peça…
IP – Estás a falar da…
JP – Da carta a uma filha, portanto do Disse fêmea… As que gravei foram o Disse fêmea e o Beijos e papas de leite, e havia mais 3 canções que eu gosto, e a cena do Brecht do Lux in Tenebris, a Regina Guimarães já tinha escrito o texto das 4 canções…
IP – Isso é do grupo de Braga?
JP – Sim, eu aí fui mais ousado nas harmonias, inspirei-me mais no Weil, no Heissler, entretanto essa experiência com o Jorge, meu caríssimo vizinho, o Jorge da Silva Melo das canções do Brecht, com a Lia Gama e os outros actores, também foi uma experiência muito porreira porque tive que estudar as pautas, ‘tar a fazer transcrições, reduções, das partituras que me foram passadas por eles, do Kurtweil e do Hans Heissler e aprende-se com isso. Foi um desafio, porque aquilo não era propriamente fácil. Para já tocar ao piano, há coisas ali que eu fiz à minha maneira não é, exactamente como ali estava escrito o whisky bar, a pauta original, aquilo tem lá cenas que eu não tenho mão para aquilo sequer…
IP – Nem com pedal, harpejado…
JP – Tem que ser com pedal não é, ‘tás a ver, oitava com o quarto dedo e tens de fazer a décima com o quinto!? Não, não, não tenho mão para isso, portanto ali tenho que saltar mais (risos)…
IP – Foste tu o director musical do espectáculo Aos que vieram depois de nós?
JP – Fui, fui. Portanto o Jorge Silva Melo, confiou em mim.
IP – Foi uma boa experiência?
JP – Foi, foi. E ele gostou muito também. Diz que nunca sofreu tanto na vida, nunca roeu tanto as unhas (risos) por causa de…sabes que então o Jorge Silva Melo, que é um gajo rigorosíssimo, então a pontualidade e essas coisas, são sagradas e eu não sou um grande exemplo em pontualidade…ahh o trânsito…ahh não sei quê…ahh deitei-me tarde olha… E o Jorge Silva a roer-se todo por dentro naquela, “o que é que eu faço a este gajo?!” Mas depois as coisas, o ambiente foi porreiro e as coisas saíam.
IP – Voltou a ser produzido esse espectáculo em 98?
JP – Não.
IP – Em 96 foi a única apresentação?
JP – Foi… Em 98 foi as Vozes Búlgaras, foi uma experiência gira também, com a Amélia Muge, tivemos lá dez dias na Bulgária a trabalhar com o pessoal, mas já não teve nada a haver com a responsabilidade das cenas do Brecht, não é?
IP – Sentiste-te mais responsável?
JP – Não, porque em relação à Amélia Muge, as Vozes Búlgaras têm a sua escrita, aquilo o encaixe nem sequer, a minha função ali foi de escrever- as músicas já estavam feitas pela Amélia Muge- escrever aquilo para piano, e fiz isso com o acompanhamento dela e do José Martins, em minha casa, calmamente, e tal fomos escrevendo aquilo, e depois foi umas feriazinhas lá na Bulgária, os gajos ensaiavam e
ainda por cima eles tinham uma pianista muita boa, daquelas que lêem à primeira vista, portanto o que é que eu estava (risos)…estava a passar férias, foi porreiro mas em termos de aprendizagem e responsabilidade não se compara.
IP – Nós lemos que a colectânea Dá-me lume foi um sucesso tão grande, que a edição do novo álbum, que nós julgámos até há pouco tempo ser o É proibido fumar, mas afinal é o Jorge Palma…
JP – É, pois.
IP – É proibido fumar…
JP – Essa colectânea, isso foi o David Benasulin da Universal que… O mérito é todo dele, ele escolheu, remasterizou, convidou-me para aparecer, para dar a minha opinião e não sei quê, eu sinceramente na altura estive-me um bocado a marimbar, ok, vão fazer uma colectânea, força, e foi de facto… O gajo dedicou-se de alma e coração àquilo… Desde a apresentação, a capa, tudo, porreiríssimo, aquilo foi… ‘Tá muito bem, o som tá óptimo e eu disse ok, chapéu, porreiro, obrigado.
IP – E quando sai então o novo álbum depois de tantos anos sem originais, sem apresentares músicas novas, como é que sentiste a reacção do público?
JP – Eu senti que essa colectânea abriu… Deu a conhecer muitas músicas minhas a muita gente. Abriu-me muitas portas percebes? O Palma’s Gang tinha sido outro tipo de abertura para pessoal mais novo que ouvia… Para a mocidade, que ouvia as minhas músicas daquela maneira, e achou piada… Tudo isto junto ao longo dos anos 90 foi contribuindo para que mais pessoas tivessem curiosidade em ouvir as minhas coisas e sobretudo a malta nova, que é isso que eu acho piada, que tem… Que eu vejo que conhecem as coisas, que se interessam, que compreendem, criou-se uma ligação muito porreira. Eu senti-me em relação a esse disco… Para já coincide com uma fase muito problemática da minha vida: separação, problemas de álcool bem visíveis, bem palpáveis, eu estava mesmo a desatinar… Portanto, não sei, fiz o melhor que pude, e gosto do disco, mas não criei propriamente expectativas, neste momento… Não se compara, estou a ver a vida ao natural, e recomposto sei muito melhor o que estou a fazer, neste momento, em relação a este disco. Sei exactamente… Posso não saber exactamente o que é que vou fazer mas, sinto uma segurança em termos de opções, sei que posso ir por onde quiser… Aqui vou fazer, vou falar disto de determinada maneira e isto pede o ambiente tal, e naturalmente as coisas vão assentando. Estou neste momento a meio do caminho, mas estou calmamente e sei que em Agosto vou gravar um disco porreiro. E pronto, sinto-me com uma segurança que, na altura em que gravei este último não tinha. Estava um bocado mesmo na… Estava a ver mal (risos) estava com uma grande miopia.
IP – Nós quando ouvimos o… Eu tomei contacto com o Quarto Minguante através de uma colectânea, esta da EMI das edições Caravela, e senti muito o Quarto Minguante, o que é que sentes, quando ouves o Quarto Minguante?
JP – Humm, é um disco que já aponta para uma certa depressão que se avizinhava… Era um prenúncio… Qquer dizer, não era consciente, nada disso é consciente, mas a própria canção o quarto minguante aquele bocadinho, aquela coisa curta, “claustrofóbico de mim” e etc, são coisas que eu viria a sentir a sério, há muito pouco tempo, há 3 anos… Há 2 anos ainda, quando tive as recaídas de álcool é tramado… Foi um momento muito difícil porque é angustiante, quando um gajo se sente incapaz, não consegue, quando está bêbedo, não faz nada de jeito, depois a ressaca… Também não consegues, nem pensar e depois sentes que falhaste… Conseguiste ‘tar um período sem beber e depois quando cais é pior, porque já lá tiveste e caíste outra vez, percebes?
IP – Tens o peso psicológico…
JP – O peso psicológico, a culpa, é horrível…
IP – Sentes que as pessoas à tua volta estão a apostar em ti?
JP – Mas eu senti isso sempre… Quer dizer, houve um período há 2 anos e tal, que eu senti que mesmo os meus melhores amigos, já não tavam a acreditar muito que eu ia conseguir… Não é que deixassem de gostar de mim ou de me dar apoio, mas começaram a sentir que não valia a pena porque eu não queria, e quando um gajo não quer… Por fora não há nada a fazer, tem que ser a própria pessoa a consciencializar-se, ou escolhe esse caminho e é o suicídio ou então tem de ser a pessoa a dizer não, porra.
TV – E o que é que achas que motivou esse acordar?
JP – Eh pá, eu gosto da vida e tenho… Eh pá, era uma estupidez, tudo isto é efémero, a gente vai morrer um dia, mas estava a viver uma vida estúpida, porque não estava a ter gozo já… Aquela euforia, energia, alegria que tinha experimentado ao longo dos anos com o álcool e outras drogas, já não estava a acontecer sequer, portanto eu já não me estava a sentir feliz, nem sequer quando bebia, não fazia sentido e tinha tanto a que me agarrar, tantas coisas palpáveis, até a carreira estava a correr bem, as pessoas continuavam a apostar em mim, as editoras e não sei quê, mas já tudo a olhar assim naquela… Fiz muita merda em concertos por exemplo… Houve concertos em que eu não conseguia acabar uma música… Porque me esquecia da letra ou dava os acordes todos ao lado (risos) com cenas mesmo…
IP – Mas recordas-te disso ou viste ou ouviste gravações…
JP – Até ouvi gravações, porque elas existem… Recordo-me não inteiramente… Recordo-me de situações em que de facto… Mas a minha memória é um bocado selectiva de facto…Há coisas que não vale a pena recordar porque para todos os efeitos foram maus momentos e, acho que aprendi… Não quero passar por aquilo outra vez, percebes? Por essa não passo mais…
TV – Não tens medo que essa estratégia de marketing de te verem como rebelde às vezes se possa desmoronar um bocadinho?
JP – Humm, humm (acendendo mais um cigarro), eu não tenho medo, mas tenho estado atento a isso, tenho estado a verificar…Não, acho que as pessoas ‘tão a respeitar-me mais percebes? E eu estou a dar-me ao respeito na medida em que, pá, se vieram aqui para ver a palhaçada, já foi, já era, e rapidamente a malta percebeu isso.
TV – Então pode-se dizer mesmo que entraste numa nova fase assim…
JP – Sim, sim, completamente. Os primeiros concertos depois de eu entrar na cena de decididamente não quero embebedar-me mais…eu agora posso…para já descobri que não gosto tanto de uísque como isso… Nem de cerveja, gosto de vinho tinto. E este ano já bebi… Posso perfeitamente beber um copo de vinho tinto, que não… Já vi que não me apetece continuar, que nem sequer chego a um ponto de me começar a sentir ébrio, saboreio e pá, um copo chega-me para a refeição toda e ainda fica um bocadinho. E aprecio o vinho, de facto sinto-lhe o gosto (risos). É uma coisa que um gajo álcoolico não saboreia nada quer dizer, venha o que vier… Seja bom, seja mau, seja vodka, seja tequilla, o que vier, desde que tenha álcool, portanto não…Os primeiros concertos eu sentia-me inseguro e cada notinha, cada dedo que escorregava e não sei quê, para mim huuuuf, enquanto quando estava bêbedo ou um bocado embalado já, podia sair ao lado que eu achava muita piada e estava tudo bem, era improviso e não sei quê. As coisas passaram a ter outra importância, a maneira como as coisas saíam, percebes?
TV – Achas que estás mais perfeccionista?
JP – Estou mais rigoroso, nem é mais perfeccionista, para isso tinha que estar a estudar umas horas por dia que é uma coisa… É uma coisa que ainda quero fazer, voltar a fazer agora depois do Verão.
IP – Bem, com este piano ele merece… (referindo-se ao piano de cauda de JP)
JP – Exactamente! Quer dizer, e tenho aí, ‘tá aí o Bach, comprei as variações Goldberg, quero estudar aquilo. Na calma, não é para tocar em concertos, é para mim, mas eu estou a estudar as peças que já soube tocar, entretanto deixei de tocar, preciso de as estudar outra vez… Por gozo… Não… Pelo menos quero, as minhas canções quero tocá-las bem, e agora toco-as à vontade, é raro acontecer-me uma branca… Curiosamente as brancas, que às vezes… Que será uma num concerto, é precisamente no Deixa-me rir… Naquelas mais batidas, que eu já cantei milhões de vezes, e acho que é capaz de ser um bocado o piloto automático que pá, já ‘tá tão viciado que às vezes prega-me partidas. Mas… Não, gozo as coisas doutra maneira, gozo os concertos doutra maneira.
IP – Mas também tens noção que os teus fãs também apreciam a forma como tu dás a volta…
JP – ‘Tá, ‘tá…o pessoal tá a sentir isso, ‘tá a dar-me força e a acompanhar naquela que… Já não aparece lá o cromo a dizer: “eh pá, tás com uma grande bezana”, e tal…
IP – Sentiste esse apoio no Villaret?
JP – Pá, o Villaret foi um ambiente incrível… Aliás tem sido, já o CCB o ano passado, e saí, fiquei afónico mesmo, tive uma infecção respiratória, e foi tramado porque podia ter cancelado aquilo mas não quis, já estava esgotado e não sei quê, disse “olha, que se lixe”, e sofri, porque a partir do momento que entrei no palco, pronto… Seja o que for, mas as horas todas, dias e entre o CCB e o Porto sofri à brava porque eu aí, de facto, sentia-me inocente, porque eu não estava a fazer nada de mal, pá e estava todo lixado. Mas lá está, criou-se um ambiente e o pessoal disse “caga nisso”, a gente ‘tá aqui, a gente já conhece as canções, não ‘tás a conseguir cantar, pois não faz mal… Depois é giro porque apanhei o avião, numa viagem que fiz, e estava aqui no aeroporto e um senhor ao lado, “gostei muito daquele concerto! Sinceramente não o conhecia, fui ver por curiosidade, ao CCB”, assim, um senhor da minha idade ou mais velho, mas de facto, fatinho e tal, e eu disse, “ai é? Mas olhe que eu estava…” “-Meu amigo… As pessoas não estavam lá para o ouvir cantar (risos), as pessoas estavam lá pela festa, aquilo foi um encontro de amigos”, e eu achei piada a isso.
IP – São espectáculos que recordas de forma particular?
JP – Sim, e sobretudo recordo-os todos! Lembro-me dos concertos todos em que toquei ultimamente. E o que me chateia mais agora é que não tenho a pachorra que tinha, ou seja, eu dantes, gozava, estava em palco e não sei quê, mas o depois, que era gozar uns copos ir pás boites, para as discotecas e para os bares, eu agora acabo um concerto e quero é ir para o hotel. Pronto, estou aquele bocadinho que é normal, dar o autógrafo, assinar o disco e não sei quê, passar um bocadinho, tirar uma fotografia e depois quero é bazar. O que me dá francamente gozo é ‘tar em palco. Aquela hora e meia, aquele bocado em que estou ali, porreiro, quando atrasa, aquele tempo de espera, chateia-me, até porque muitas vezes as condições não são o ideal não é? No meio das feiras, uma algazarra do caraças, os camarins e sempre as roullotes e não sei quê, estou a falar do Portugal real não é, não estou a falar do CCB nem dos coliseus, nem dos auditórios porreiros que há por aí…quando é assim estas festas de Verão, poeirada, humidade…
IP – Estás no Sudoeste este ano?
JP – Não, não. Na altura do Sudoeste estou a gravar no Porto. Este ano é que de certeza não estou. Fim de Julho, 31 de Julho na Zambujeira, chego aqui, troco de bagagem e no dia seguinte vou para o Porto.
TV – Eu, há um conceito que estou a explorar bastante em ti, que é o conceito do “só”, que é uma coisa muito tua, que tu até gravaste um álbum assim, só que… Eu noto uma grande diferença no teu concerto, que deste no São Luís, e nos Galps Energias e os outros… Como é que tu preferes mais, um concerto com banda ou um concerto assim só?
JP – Eh pá, são coisas diferentes. São coisas complementares. Eu gosto de… Eh pá, se dou 3 concertos seguidos a solo apetece-me normalmente que o próximo seja com banda. Ou se dou com banda, e esta banda com que eu estou, os Jindungo são muito eléctricos, pá, têm uma banda rock assumidamente, ah… Às vezes apetece-me tocar sozinho também.
IP – Sentes-te mais exposto quando estás a tocar sozinho?
JP – Quando estou sozinho a responsabilidade é toda minha, mas a liberdade também. Posso tocar a música que me apetecer, que me vier à cabeça na altura, posso alongar o solo, aliás com a banda também posso fazer isso, mas, sobretudo o repertório ensaiado é aquele. Enquanto que a solo posso variar mais e de facto o som que está a sair é o som que eu faço.
TV – No São Luís notou-se muito, que houve várias músicas pedidas e tu muitas vezes acedeste… Estavas ao piano, estava uma senhora que gritou “Mamã, Mamã” e tu “a senhora deve estar enganada”, mas começaste a tocar a Canção de Lisboa… No fundo, quando ‘tás… Qual é… O que é que te dá para tocar assim a só, tão exposto?
JP – Não sei! Pá, não sei, dá-me gozo tocar aquelas canções… Mesmo aquelas que eu já podia ter enjoado como o Deixa-me Rir e o Portugal, Portugal de cada vez que as toco dá-me gozo, e há sempre qualquer coisa de novo, há sempre um pormenorzinho, sobretudo nas partes instrumentais, nas partes em que começo a brincar com o piano, com a guitarra não, não tenho grandes hipóteses de fazer solos por exemplo… Não, dá-me gozo porque também depende um bocado do sítio. Se for num auditório confortável, com um bom piano, é porreiro ‘tar ali aquele bocado, a tocar, a ouvir os pedidos das pessoas e tal, e olhar para elas e ver que ‘tão a gostar…são momentos bem passados…acho que com a banda, seja ela qual fôr, cria-se logo um bocado mais de distância. E depois normalmente em espaços…
IP – Já não ouves as pessoas a cantar não é?
JP – Pois… Cria-se mais o espírito, eu estou a dialogar mais com os outros músicos que ‘tão em palco… Portanto estou mais virado para dentro do palco… Estou a dialogar, portanto, também estou a ouvir o baixo, estou a ouvir a bateria, a guitarra, portanto estou a fazer um grupo com eles, não é? Portanto, estou mais concentrado também no som dos outros. É diferente, são coisas complementares, também me dá muito gozo tocar com outros.
IP – Tu por vezes, há músicas que nos habituámos a ouvir ao piano e tu num determinado concerto tocas na guitarra, como é que defines o alinhamento para um espectáculo, e como é que fazes esse equilíbrio entre as músicas que vais tocar no piano ou na guitarra?
JP – Eu procuro não tocar uma ao piano, agora vou à guitarra, portanto faço um bloco, normalmente faço dez minutos antes do concerto, quer dizer, há uma espinha dorsal, tenho os meus papéis, com 40 músicas ou uma coisa assim, daquelas que eu sei que não me vou… Que tenho a letra na cabeça e estou pronto a tocá-las. Depois normalmente faço um alinhamento de 20 e tal músicas, de 25 músicas que dá mais de uma hora e meia, mas depois muitas vezes sai, em vez desta, “olha afinal vou tocar aquela”, que me vem à cabeça, ou toco as duas… Mas, normalmente, estou a usar o sistema de começar à guitarra, tocar 2 ou 3 ou 4 músicas à guitarra, porque acho que é porreiro. Uma pessoa em vez de se ir pôr atrás do piano… Primeiro ir à frente, estar cara a cara, e a guitarra é porreira para isso.
IP – Gostas de começar com a guitarra?
JP – Gosto. Começo com a guitarra, acho que é uma maneira porreira de cumprimentar as pessoas. Depois então vou-me meter no piano, estou lá um bocado, depois volto outra vez à guitarra um bocadinho para variar os temas não é? E a maneira de tocar obviamente.
TV – Sim, porque a maneira de tocar nota-se. Por exemplo na versão do Essa Miúda ao piano soa um bocado, às vezes, a um nocturno e quando tocaste na guitarra…
JP – É! Sobretudo com aquele, como eu gravei no Só, aquela melodia que eu fiz é um ambiente de nocturno, ta da tam (cantarola) com os harpejos…
TV – Exacto! E depois quando tocaste na guitarra no São Luiz por exemplo, já pareceu um country!
JP – Exacto. Aquilo foi gravado mais, estava eu em perfeita onda country. E foi compsta à guitarra. O Picado Pelas Abelhas também. Experimentei tocar ao piano há uns tempos… Acho que foi a única vez…
IP – Foi no CCB acho eu… O Picado Pelas Abelhas tu tocaste ao piano…
JP – Foi? Mas não tinha treinado, não, portanto não… Já toquei noutro sítio também ao piano… Nem me lembrava que tinha tocado essa ao piano no CCB.
IP – Se o CCB foi aquele concerto que depois foi transmitido na RTP, foi.
JP – Ah, bem, aí para além de ter a voz afanada, os gajos da TV não captaram o ambiente. Eu vi e aliás tenho isso aí, não transmitiram o ambiente de lá, portanto visto na televisão, é cinzento. Como eu ainda por cima estou com a voz toda velada, sinceramente não gostei… Mas lá gostei… Portanto ao vivo, viver aquelas horas, tanto no CCB como no coliseu do Porto, foi porreiro.
IP – Mas como é que fazes essa transferência das sonoridades da guitarra para o piano por exemplo?
JP – Eu nem sei porque é que toquei o Picado Pelas Abelhas ao piano! Deu-me na cabeça, não sei (risos)… Bom, eu no piano, tens mais apoio, não é? Dá para fazer aquela malha ta tan ta ra tam (cantarola) à guitarra, é isso, eu normalmente toco essa música à guitarra mas é acompanhado com banda… Sozinho não resulta muito, fica muito… É uma música que precisa da bateria, do baixo…. Pelo menos da bateria e do baixo e já agora de uma guitarra eléctrica… Tocar sozinho, fica muito…Não dá, fica muito… Mesmo que eu toque, pronto, já se sabe que tem de ser simplificado e não vai haver o solo do meio, e sinto que fica demasiado despida a música, fica sem balanço… Aquela música precisa de percussão, e no piano se ensaiar um bocado acho que consigo fazer…
TV- Como é que, por exemplo um Jeremias, o Fora da Lei, também country na guitarra, se transforma num ragtime no piano? Como é que fazes esse processo?
JP- Num ragtime ao piano… (confirmando a definição) Apeteceu-me experimentar, fazer aquilo à la Scott Joplin!! (ri)
IP- Mas é uma coisa natural… Estudas em casa…?
JP- Ah, essa estudei. Essa estudei e deu-me um trabalhão…! E agora não consigo tocá-la. Tenho que estudar aquilo outra vez; e mesmo assim tem prego. Lá no disco, há lá notinhas ao lado…
IP- Costumas ouvir as gravações?
JP- Não, não tenho ouvido… Mas agora, quando me falaste nessas cenas, nas “bocas” dos discos, e não sei quê… Às vezes apetece-me re-ouvir um disco ou outro…
IP- Mas quando sais de um concerto, vais a pensar…
JP- Ah, re-ouvir a gravação…? Olha, eu tenho aí uma do concerto de Leiria, salvo erro, com banda, que ainda não ouvi. Não tenho grande avidez, não… Não tenho grande desejo de ouvir, pelo menos logo a seguir. É porreiro ficar gravado e ouvir talvez um dia destes… Mas não, não me apetece muito ouvir. Pelo menos, logo a seguir, não me apetece ouvir. Não sei se é medo de ficar desiludido, ou… (ri) Porque eu de cada concerto saio com uma sensação… E deixo ficar essa sensação, percebes, do que correu bem, do que podia ter corrido melhor ou pior, do ambiente que se viveu, e deixo ficar isso. E ouvir a gravação vai de certeza mudar…
TV- Nesses concertos do S. Luís, eu reparei que estavam lá, por exemplo, a Mafalda Veiga e a Lena d’Água, , que são pessoas que já fizeram duetos consigo… Elas são convidadas pelo Jorge, vão espontaneamente, como é que é essa ligação…?
JP- … Normalmente, a ideia parte de um de nós; ouve casos em que partiu de mim: “olha, queres cantar comigo?”; noutras vezes foi da parte delas… Qualquer delas, em fases diferentes, se lembraram de me convidar para coisas, ou para espectáculos ou para discos. No caso da Mafalda, no Tatuagens, foi porreiro… Foi ideia dela, convidar-me. E outra vezes sou eu que convido as pessoas, ou para um espectáculo pontual- estou-me a lembrar de uma Festa do Avante, em que eram para aí vinte e tal convidados, uma confusão, até o Jorge Silva Melo foi lá de propósito para dizer… Isto foi a seguir às canções de Brecht… Subiu ao palco só para dizer: “porque é que vocês têm medo do comunismo?” (gargalhadas gerais) Que é uma frase do… É uma das canções… Em alemão, não sei dizer… A canção é isso: porque é que têm medo do comunismo? E nesse concerto convidei, sei lá… Foi a Filipa Pais, foi a Amélia Muge, foi o Janita… Eu sei lá… Foi tanto convidado…! Só a cantar eram para aí sete! A Lia Gama, também… Tem a ver um bocado com a fase, que estive a viver recentemente, ou que estou a viver… Nesse caso fez sentido porque eu tinha estado a fazer as canções do Brecht A Lia está lá, e Jorge Silva Melo, porque tinha havido essa convivência muito intensa, durante esses tempos.
IP- Se há algo que se sente ao longo dos teus trabalhos, é que há uma continuidade. Achas que essa continuidade é conferida pela proximidade biográfica… Achas que a tua vida te condiciona a fazer determinados álbuns, e que isso dá um fio condutor…? Vês isso assim, não tanto…? Como é que…
JP- Acho que mais ou menos conscientemente o disco é um resultado sempre de… Sobretudo, por exemplo é o caso do disco que eu estou a fazer agora… No caso do Proibido Fumar, eu fui buscar as tais coisas que já tinha feito para teatro… Nem tudo foi feito naquela altura. Metade do disco foi feito naquela altura, a outra metade foi coisas que eu fui buscar, que já tinham sido feitas por uma razão ou por outra… E o Quem és tu, de novo?, por exemplo, estava gravado ao vivo, por acaso estivemos a ouvir ontem, porque é a que o Sérgio vai cantar agora (referindo-se ao ensaio, de preparação, com o Sérgio Godinho do concerto deste, do dia 9 de Julho, no qual JP participou, cantando para além desta música uma outra de Sérgio) no espectáculo dele; tinha gravado ao vivo, no Coliseu, com os Rio Grande, precisamente, em dueto com o Vitorino. Mas decidi regravar a música com um arranjo de corda, porreiro, e não sei quê…
IP- Com os Corvos…
JP- Com os Corvos… Mais ou menos afinados, não é…? (risos) Eu lembro-me, por exemplo, do Guilherme Inês e do Tó Pinheiro, e não sei quê… Quando eu gravei o Bairro do Amor, eu chamei pessoal da “corda”… “Eh, pá, tens aqui um… Que isto não falha. Está afinadinho…!” “Mas sabes, o arco… Prefiro um bocado desafinado mas é outra coisa…” Os gajos ainda por cima, normalmente, o pessoal da orquestra não tem cuidado nenhum…A meio da música dá uma cotovelada na estante, ou dá com o arco na estante… Faz assim, esquece-se que aquela merda entra tudo. Isto quando não falam mesmo! Tem que se parar a gravação… “Ouve lá, então…?” (risos)
IP- Eu ia-te perguntar se sentes que vivemos no Tempo dos Assassinos?
JP- Absolutamente… Quer dizer, se olharmos para a História… Basta ver o canal História, aqueles programas para adormecer, que, de facto, a História d a Humanidade tem sido mais ou menos isto, não é… Mas agora a cena do matar indiscriminadamente, essa cena dos atentados, e o atentado suicida é uma coisa nova. Quer dizer, não é nova, já houve, pontualmente, aqui e ali, ao longo da História, mas o suicida sistemático, a mentalização, isto é muito mau sinal. É um sinal, de facto, dum desespero colectivo e total. As crianças já são mentalizadas desde a nascença para…
IP- Mas sentes que no dia-a-dia que os assassinos estão entre nós?
JP- (silêncio) Nós somos todos potenciais assassinos. Depende de… Esse instinto estará tão mais presente quanto as circunstâncias o ditarem, não é… E o que acontece é que o caminho que isto está a levar em termos sociais, sócio-económicos
(Segundos de conversa perdida devido a troca de mini-disc)
JP- … e fui vendo de facto, um certo sonho, e não sei muito bem, também, qual era a viabilidade, quais eram as contradições desse sonho. Acho que é um bocado nublado. Mas havia uma esperança de que, de facto… O pós 25 de Abril foram meses duma alegria… Mas acho que as pessoas não sabiam exactamente o que é que queriam. Algumas sabiam…
IP- Dizes que “lá no fundo todos queriam ser ditadores”… (citando uma passagem do Picado pelas abelhas)
JP- Um bocado… Aqueles que sabiam e que estavam à frente de movimentos e não sei quê, normalmente a ideia era essa. (risos) A maior parte do pessoal acho que andava aí, pelo menos eu, era um bocado a saborear a festa e…
IP- O que é que são as abelhas?
JP- (risos) Isso aí podes considerar um bocado surrealista. Essa canção surge com um amigo meu, num concerto ao ar livre, não sei onde. O gajo estava do lado das grades e havia seguranças à brava, e o gajo queria entrar, e eu disse: “Oh, Pedro, eh pá, não dá…” E o gajo disse: “Então ao menos, escreve qualquer coisa e diz que eu tou todo picado pelas abelhas.” Nunca falámos sobre isso porque, entretanto, o gajo morreu. Mas eu escrevi a canção. (risos)
IP- E lembras-te dele quando a tocas?
JP- Não sempre, não… Mas lembro-me dele. Por acaso, quando toco a música, normalmente não. Mas lembro-me, perfeitamente, dele, aliás porque vivemos situações um bocado mirabolantes. (silêncio) Uma a vez o gajo encontrou-me em Genéve, estava sozinho e ia para Amsterdão. Ia comprar pó. “Queres ir até Amsterdão?” Eu tinha acabado a tournée, digamos, da banda americana, os americanos tinham ido até aos Estados Unidos ver a família, e não sei quê, estava com o contrabaixista sueco, que também ia até casa, estava em Genéve, ainda estava com o sueco, a beber uma cerveja, e tal… O gajo apareceu, ok, porreiro, embora. O gajo tinha um carro alugado, um carro de desporto. Uma semana louca, completamente. Snifar coca, e não sei quê… Lembro-me muito vagamente daqueles quilómetros; de andar em Amsterdão; (risos) ver concertos e não sei quê… mas tudo assim muito…
IP- Muito alterado.
JP- Muito alterado… Mas o gajo deixou-me em Paris e veio para Portugal, aliás, foi preso logo à entrada. (risos gerais) Vinha cheio de heroína, e deu uma boca numa bomba de gasolina, foi apanhado logo a seguir. Aquelas coisas completamente despassaradas.
TV- Ainda há bocado falaste que haviam para aí uns putos…
JP- Às vezes, qualquer coisa é um pretexto para depois, olha, eu seguir uma linha qualquer de pensamento, ou vou escrevendo o que me vem à cabeça, até as coisas fazerem algum sentido para mim, pelo menos.
TV- Quando há bocado falaste de alguns putos, que já têm consciência, e não sei quê, e que há aí malta nova fixe, e no fundo pegando um bocadinho no exemplo dos Toranja, que seguem esta linha, tu achas que já deixaste um legado, de certa maneira?
JP- Ai, eu prefiro não pensar assim. Ou seja, eu acho que já fiz coisas porreiras e que… Isso é muito pomposo, pá, mas acho que sim. Acho que já consegui reunir à volta de uma série de coisas que eu fiz, um grupo de gente muito porreira e que absorveu as coisas que eu… Prestou atenção, e que cada um à sua maneira compreendeu aquilo que eu escrevi. Mas o que me interessa mais é o que vem a seguir, é como é que eu vou continuar a interagir com esse pessoal e com o mundo.
IP- Como é que vês o futuro? Vês agora o próximo álbum, não é, e o que é que esperas?
JP- Uma das canções chama-se Optimista Céptico, que é uma frase que eu ouvi o Saramago dizer numa entrevista na televisão, há uns tempos. Que é uma expressão que ele usou e essa já está escrita, aliás, está bem porreira. E é um bocado a minha posição, optimista céptico. (risos) Optimista, mas procuro não fingir que não vejo aquilo que vejo e vejo muita coisa, obviamente, descaradamente mal feita, percebes… E, portanto, pelo menos saber que há pessoas mal intencionadas, pessoas com poder, obviamente mal intencionadas, saber que eles existem, e, se bem que a gente não tenha grandes meios para…. Só, de facto, uma mentalidade colectiva bem atenta e sólida é que pode fazer frente ao extraordinário poder de…
IP- Dos poderes instalados.
JP- Dos poderes instalados e do dinheiro. No fundo, é tão estúpido como isso. Do dinheiro, e sente-se isso cada vez… E quanto mais as pessoas têm, essas pessoas têm, mais ávidas se tornam. É típico. Ao longo da História vês os Imperadores…
IP- Não há um limite para aquilo que se quer…
JP- O poder. A obsessão pelo poder. Acho que é uma loucura trágica mas que acontece a todos.
(O alarme do telemóvel toca e JP levanta-se para o desligar; o tempo já escasseia)
IP- Nós temos alguma curiosidade, mas já te ouvimos falar algumas vezes, sobre realmente como é que surge a poesia, e depois como é que surge a música… Nós gostávamos que desvendasses um bocadinho desse processo, isto porque, muitas vezes, naquilo que temos ouvido, nós temos a sensação, e dou-te o exemplo do Yoggi Pijama, temos a sensação de que a letra e a música foram feitas quase em simultâneo.
JP- Ham, Ham…
IP- Isso costuma acontecer?
JP- Costuma e normalmente é quando as coisas saiem melhor. Porque das duas uma, ou é o caso, por exemplo da Canção de Lisboa, em que saiu texto numa mesa de café, A Origem do Drama, também, que é do mesmo disco…
IP- Que é com o Zé Carlos…?
JP- Não, não. A Origem do Drama é do Asas e Penas, também. É uma que tem uma grande cena orquestral, com uma orquestração muito densa.
TV- E acaba com o coro de crianças.
JP- E acaba com o coro de crianças, exacto. Esse texto também saiu todo…Depois é que fui, em ambos os casos, para o piano e… São ideias que vêm tu não sabes de onde, percebes…? Ou pelo menos não sabes porquê. A Canção de Lisboa, aquela (traulitando o início da música, a parte de piano), isso é um Frère Jacques, que por sua vez é revisitado pelo Mahler na primeira Sinfonia…?
TV- Há uma Sinfonia em que ele faz uma marcha fúnebre do Frère Jacques…
JP- É a dos animais. Que é isso, é o Frère Jacques transformado, percebes. E eu vou aí brincar com isto.
TV- Portanto, essas influências clássicas, ainda estão todas, da tua formação vá lá…
JP- Elas andam cá… E às vezes lembraste de ir buscar isto. E não sabes porquê… Sobretudo, é aí, que eu acho que a formação e a informação que tu vais recolhendo, não só na música, na pintura, em qualquer coisa, é útil porque tens isso cá dentro.
TV- Isto é uma teoria minha, mas já agora o Jorge pode confirmar se era… O Só surgiu, justamente, mais ou menos na altura em que acabaste o curso de piano… Será que foi uma série de tu dizeres, pronto, “agora acabei o curso de piano, agora deixa-me cá fazer uma coisa a sério com o piano”…
JP- Foi, obviamente. Havia malta de editoras, o David Ferreira, o Tozé Brito, também, havia gente a dizer: eh pá, tens que fazer um disco só a tocar piano e a cantar. Mas há tempos que eles diziam isso…! E agora o David Ferreira vai mais longe, e anda-me a chatear- a chatear entre aspas- para eu gravar um disco sem voz, sequer, só piano. (risos) Tipo música de hotel… Mas é evidente que quando eu me preparei para o exame final, eu estava com os dedinhos em forma, eu estava lá… Portanto, porreiro. A ideia acho que foi do David Ferreira, mas, entretanto, eu gravei esse disco para a Universal… Foi sugerido pelo David Ferreira e eu gravei para a Universal porquê? Porque tinha gravado o Bairro do Amor para a Universal e deixei-me estar. No fundo, foi isso.
TV- Estiveste nessa altura nos seminários do Stockhausen… Nunca te apeteceu fazer assim mais nada, tipo mais arrojado, sair um bocadinho do pop pelo rock, fazer assim, tal como metes aqueles temas do Stockausen, nunca te apeteceu fazer nada, assim mais…
JP- Apetece-me e acho que vou ter tempo para isso. Por exemplo, este ano, em Janeiro, fiz instrumentais para uma peça de teatro, também, e fui buscar algumas coisas… Umas fiz agora, e outras fui buscar a exercícios de técnicas de composição, por exemplo. Coisas porreiras que… Uma é dodecafónica.
IP- Foram as tais que fizeste com o Jorge Peixinho?
JP- Pois… Aliás, eu acabei o curso já não foi com o Jorge, o Jorge Peixinho foi para o superior, para o novo superior, na altura… Acabei com a Maria de Lurdes Martins, que vai dar ao mesmo. A Maria de Lurdes era fã incondicional do Jorge Peixinho. Ele era o ídolo dela. E, portanto, é a mesma escola…
TV- Eu, da minha parte, só tenho mais uma pergunta a fazer-te…
JP- Mas eu vou brincar com essa coisas, vou. Agora é evidente que não faz sentido eu agora fazer um disco e, de repente, entrar num esquema atonal, não é… São coisas para ir brincando.
IP- Mas não achas que, como músico e com o impacto que tens, que não podes sugerir às pessoas que elas comecem a procurar também, ouvir outras coisas?
JP- Sair dos acordes do costume, isso eu tenho procurado, de uma maneira mais ou menos subtil…
IP- Nos teus improvisos sente-se muito…
JP- E mesmo nos arranjos tenho procurado enriquecer um bocado as harmonias, e não sei quê… Os Clã estão a desbravar, estão a fazer uma música já um bocado fora do Dó, Lá m, Fá, Sol… Estão a fazer… Estou a gostar das harmonias, da textura…
IP- Mas os Clã têm uma componente electrónica que tu não tens, não é…
JP- Pois, exacto…
IP- …e, se calhar, também se presta mais a fazer isso sem pôr em choque muito…
JP- Eu sou um nabo com esse aparelhos, com essa coisas… Mas eu estou a gravar com o Miguel dos Clã, com o Miguel Ferreira. Portanto… (risos) Ainda vamos ver o que é que vai acontecer, em termos de som.
TV- Essa era justamente a minha última pergunta, que era: o Jorge Palma sempre manteve muito guitarra, piano, assim um bocadinho com banda… Nunca se viu a fazer nada assim mais electrónico, ou uma coisa para acompanhar os novos tempos, vá lá…?
JP- Eu não tenho muita apetência para…E sinto-me, à partida, logo ultrapassadíssimo, percebes… Vou agora especializar-me… Até no próprio computador… Eu, no fundo, tenho aí uma caixinha que é a MBox, que é um estúdio de gravação, aquilo… Com o Protools… Eh pá, eu mal sei pôr aquilo a gravar… Ponho aquilo a gravar, faço uma maquete, acabo. Sei apagar. (risos) E Pronto. Aquilo dá para fazeres compressores, metes isto e tiras aquilo, e não sei que mais… Não vale a pena, pá. Há aí gajos… Telefono ao Tó Pinheiro, ou ao Flak, ou ao meu filho Vicente. Os gajos chegam aí e pegam no rato, e ajudam-me… Há gajos que estão tão à frente nisso, e, por exemplo, em sonoridades de sintetizadores e dessas máquinas todas, que, se eu quero utilizar isso, então recorro a eles. No fundo é o que está a acontecer agora. Estou a trabalhar com malta com quem nunca trabalhei; que é pessoal dos Blind, é o Marco dos Blind (Zero), é a secção rítmica dos Zen, que eu nem sequer conhecia, é o Miguel dos Clã, e vai- se ver quem é que vai entrar mais…
IP- Esses contactos são feitos através da editora?
JP- Não. Eu pela primeira vez estou a trabalhar também com um gajo de quem sou amigo há muitos anos, que é o Mário Barreiros. Que é um excelente produtor e que está a produzir o meu disco. E estes quatro dias que estive lá no Porto, que foi só uma primeira aproximação, mostrar as seis canções que tinha já escritas, tivemos a brincar à volta daquilo, e deu para perceber que vai ser bom, que… Também não é preciso muitas palavras entre nós porque… O gajo já ouviu os temas e… Não é preciso estar a explicar nada, percebes, automaticamente as pessoas criam logo o ambiente que eu tinha imaginado. E depois, agora, cada um acrescenta o que tem, no fundo é o que eu tenho feito com a malta que tenho escolhido pata gravar, que vai variando de disco para disco, se bem que haja algumas presenças mais ou menos assíduas, não é…? Sobretudo quando eu tenho recorrido a sopros, por exemplo, vou sempre buscar o Tomás Pimentel, o Jorge Reis, o Edgar Caramelo… Há pessoas que eu já conheço há muitos anos, que já andaram comigo na estrada, que me conhecem de ginjeira, e vice-versa, portanto… Inclusivamente o Cainho, os Carlos Martins, também já temos feito brincadeiras; o gajo até já tocou clarinete, que é um instrumento que o gajo… Um clarinete todo partido, que o gajo teve que meter uma rolha, e não sei quê… Está no Asas e Penas, o gajo a tocar clarinete. Para este disco vamos ver. Vou trabalhar com esta malta. Para já é tudo do Porto, tudo do norte. Mas já está a surgir a ideia de meter uma banda dixie, aí irá os Dixie Gang, também já estou a ver um acordeão, que, se calhar será o Ricardo Dias da Brigada (Vítor Jara), uma gaita de foles, não sei, o gajo dos Sétima Legião… Mas isto são coisas que eu depois vou ver com o Mário Barreiros. “O que é que estás a ver aqui?”, e tal. “Quem é que se chama?”
IP- Uma gaita de foles num estúdio…!
(risos gerais)
IP- Nós temos um colega que toca muito bem gaita de foles.
JP– É?
IP- Sim.
JP- Ai, isso é bom saber!
IP- Se precisar…
JP- Está bem.
IP- É o homem dos sete instrumentos. É o Gonçalo do Carmo. Oh Jorge, nós não o queremos maçar mais, mas gostávamos que nos ajudasse, um pouco… É algo que nós gostávamos de materializar no nosso trabalho, e há pouco nós falámos do Jorge ter começado, digamos que uma nova fase, nos últimos dois três anos, ter iniciado uma nova fase, e eu pedia-lhe que, fazendo assim uma retrospectiva da sua vida, e da produção musical, que tentasse delinear alguns momentos que considera que foram de viragem, de continuidade…
JP- A fase da infância em que eu naturalmente crio a relação com o piano, não é, o que leva a eu ter aulas e ter uma iniciação musical. Depois há a ruptura, em plena adolescência, a viragem para o rock, que eu começo a ouvir, os Stones, os Beattles, esse grupos todos… Os Led Zepplin, e não sei quê… Em que eu puro e simplesmente me marimbei na música clássica, virei-lhe as costas mesmo. Durante uns tempos. Portanto, há essa fase do conhecimento, de descoberta do rock, não é. Depois junta-se a aproximação a músicos de jazz; também foi muito importante, e começar a ouvir e saber o que tinha existido o Duke Ellington e essa gente toda. Começo a ver concertos- estou-me a lembrar do primeiro Festival de Jazz, por exemplo, que veio cá o Milles Davis, etc. Os poucos concertos bons que houve aí, eu estive lá. Genesis, em 75, já. E, a partir daí, isto começou a abrir muito mais, começou a ser trivial aí, ao virar da esquina, ver uma boa banda. Por outro lado, houve uma proliferação de bons músicos portugueses. Em vez de ser aquela meia dúzia que tinha jeitinho, e não sei que mais, estou a dizer meia dúzia, não eram meia dúzia, eram mais. Neste momento há muita gente a tocar muito bem, todos os instrumentos, e a cantar, e não sei quê. (ri-se) Isto eu já volto…! Estou-me a afastar um bocadinho mas… Foi muito importante, portanto, esse contacto com o Zé Carlos Ary dos Santos, esse período, que para mim foi um período de trabalho, de aprendizagem. Foi muito importante ter ouvido os primeiros discos do Zé Mário Branco e do Sérgio Godinho, que, de certo modo, era aquilo que me faltava… Estava a começar a controlar a técnica de escrever, à Ary dos Santos, e começo a ouvir gajos portugueses a cantar mais o tipo de música que eu queria fazer, que tinham as mesmas influências que eu. Na altura, precisamente dos Beattles… Ouves as primeiras orquestrações do Zé Mário Branco e está lá, a mesma cena de cordas; as coisas que ele escreveu na altura, topa-se lá… Aquelas canções, aquele tipo de arranjos, e não sei quê… O Sérgio a mesma coisa… A ida para a Dinamarca foi muito importante, em termos de choque cultural, porque, a brincar a brincar, foi praticamente um ano que eu vivi numa comunidade nórdica, vindo de uma ditadura completamente decadente, fechada e retrógrada… Fez-me imensa confusão, por exemplo, a relação homem- mulher, não é… Ver conversas políticas na televisão; isso para mim era estranhíssimo, percebes? (ri-se) A esse nível foi muito importante e foi lá que eu construí musicalmente aquilo que viria a ser o meu primeiro álbum… Depois, no fundo, por um lado o ter as portas abertas e saber que podia viver mais ou menos bem a fazer orquestrações e, portanto, a fazer trabalho de estúdio, e a começar a dar os meus primeiros concertos a solo, as primeiras actuações, os primeiros discos…
IP- Foi na Aula Magna, o primeiro grande concerto que deste?
JP- Isso foi a seguir ao Acto Contínuo… Talvez…. Sim, porque nos anos 70, não me estou a lembrar assim de… Para já, fui-me embora em 77, final de 77. 78 e 79 não estive cá. Voltei em 79; portanto, depois do Verão. Antes disso fiz dois discos mas de concertos não me estou a lembrar, de facto… Foi só depois de assentar arraiais, depois de Paris… 81, e gravei o A
Autor: Tiago Videira e Isa Peixinho
Data: 29 Junho 2004