Mercury Rev trouxeram canções novas ao CCB

OS SEGREDOS DOS SONHOS MIGRATÓRIOS

Apresentando um concerto único em Portugal na passada terça feira, os Mercury Rev conquistaram o público do Grande Auditório do Centro Cultural de Belém numa noite cuja música oscilou entre o épico e o introspectivo.

Num mês marcado por múltiplos concertos em salas nacionais, em particular nos lisboetas – de Sigur Rós a Devendra Banhart, passando por Emir Kusturica ou Coldplay, entre outros -, o dos Mercury Rev parece ter sido (injustamente) ofuscado, tendo em conta que o Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, onde a banda actuou no passado dia 22, registou um número modesto de espectadores, que mal preencheram metade da sala.

A limitada afluência de público não impediu, contudo, que o grupo norte-americano demonstrasse entrega, coesão e empenho, percorrendo episódios-chave da sua discografia durante quase duas horas vincadas por um interessante cardápio sonoro bem complementado por uma sólida componente visual.

Mantendo em palco a aura misteriosa e encantatória que caracteriza os álbuns, os Mercury Rev surpreenderam até mesmo antes de iniciarem o concerto, uma vez que as primeiras imagens exibidas no ecrã centraram-se numa homenagem ao cinema dos anos 30, dando depois destaque a uma sucessão de capas de discos de músicos díspares, cujo espectro englobou David Bowie, Nina Simone, Chemical Brothers, Hüsker Du ou Galaxie 500, então acompanhadas pela inebriante “Lorelei”, dos Cocteau Twins.

“The Secret Migration”, o álbum mais recente, editado no início de 2005, foi o elemento central do alinhamento, mas a noite contou também com canções de outros registos da banda, em especial do aclamado “Deserter’s Songs”, aquele que é para muitos a obra-prima dos Mercury Rev.
Embora o novo disco não seja tão inspirado como os anteriores, ao vivo parte das suas canções resultaram, já que a energia e teatralidade do vocalista Jonathan Donahue, a par da eficácia dos restantes elementos, compensaram a monotonia e mediania de algumas das composições.

Canções como “In the Wilderness”, “The Secret Migration” ou “Vermillion” ganharam um interesse renovado, encorajando uma nova audição e eventual reavaliação do novo disco, mas os grandes momentos do espectáculo basearam-se em temas mais antigos, de “Deserter’s Songs” e “All is Dream”, casos do plácido e envolvente “Holes” e do igualmente cativante e melódico “Goddess on a Hiway”, assim como do emblemático “The Dark is Rising” (que encerrou o concerto com uma convincente alternância entre ambientes intimistas e épicos) e, sobretudo, do esplêndido “Tides of the Moon”, o pico de intensidade da noite, cujas brumas de intriga e onirismo foram complementadas por uma considerável visceralidade, assinalando uma versão ainda mais claustrofóbica do que aquela incluída no disco.

Apesar de dois ou três episódios de grande nível, o concerto teve também aspectos menos conseguidos, uma vez que as pontuais falhas de som, a qualidade apenas regular de algumas canções (de “The Secret Migration”) e certas sequências de imagens e frases dispensáveis projectadas no ecrã (próximas de duvidosas atmosferas new age que, de resto, contaminam a capa do novo álbum) desequilibraram a espaços uma noite que não deixou de ser bela e memorável.
No final, o público retribuiu a dedicação incansável da banda e aplaudiu de pé, mas sem histerismos desnecessários, terminando quase duas horas passadas entre histórias mirabolantes, segredos partilhados e estranhas fábulas em forma de música.

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Autor: Gonçalo Sá