PJ HARVEY WHITE CHALK

Polly Jean, a menina prodígio, está de volta num registo surpreendente e… gritante!

Os fãs de PJ Harvey que se desiludam: este não é um disco da PJ Harvey. Este é um disco da Polly Jean, adolescente, voz límpida, cristalina e com esgares histéricos de Banshee, arrancando todo um poder e um arrepio à nossa espinha.

As guitarras distorcidas e sujas ficaram em casa. Volta ao tempo de menina cândida (mas sem falar francês), sentada em frente a um piano (por vezes partido, mas que lhe confere uma atmosfera de nostalgia e isolamento).

PJ Harvey chega-nos com um diário amargo, aberto, para nos mostrar toda a sua alma e desvelar-se como nunca o tinha feito.

A primeira faixa do álbum é “The Devil”, uma suave balada acústica em tom ainda plácido e sussurrante. Para nos tentar apanhar de surpresa e conseguir.

Segue-se “Dear Darkness” com o piano em acordes, no registo agudo, a alimentar uma voz ainda ténue e tímida, mas sempre no registo límpido e sussurrante.

Passamos a “Grow grow grow”, uma canção com o piano partido e uma voz ecoante em registos a esticarem a tonalidade para fora dos seus limites. A Banshee começa a dar uma amostra de si aqui. Uma das faixas mais representativas do álbum.

“When under ether” mostra-nos uma Polly Jean a beber Tori Amos e Kate Bush ao mesmo tempo. O piano num registo mais calmo e a voz melodiosa emprestam alguma cor à sombra que tínhamos vindo a assistir até então.

“White Chalk” é o primeiro momento de viragem. Quase um regresso ao passado, a guitarra faz a sua aparição, se bem que acústica. Quem fica suja é a voz nas estrofes. No refrão mantém-se gritante, embora contida. Uma faixa desviante, mas necessária, para mostrar que o cunho pessoal ainda se mantém algures.

“Broken Harp” é o momento anti-clímax do álbum. Bem no centro, escondido, apenas uma guitarra acústica e Polly Jean num registo sussurrado a contar-nos as suas intimidades, quase segredos inconfessáveis. Um desesperado pedido de perdão empresta um tom quase religioso à faixa.

“Silence” volta-nos a trazer o piano partido e uma voz em crescendo de novo. Estamos a preparar-nos para arrancar em direcção ao clímax.

“To talk to you” é mais um momento de piano partido, mas onde a voz fugiu completamente para o registo agudo, no entanto, na forma débil. A tonalidade volta a ser etérea e começamos pela primeira vez a beber também Sigur Rós.

“The Piano” é uma preparação para tudo o que se vai seguir. Ao piano e à voz em lamento crescente junta-se um poderoso baixo e bateria, até aqui quase negligenciado. O baixo empresta pela primeira vez um apoio poderoso e um feeling de rock a faixas, até aqui, quase todas etéreas.

“Before departure” mostra-nos a consequência de tudo o que vem sendo anunciado. O piano torna a ficar límpido e fixo. A voz, também já está nos conformes. A tonalidade está fixa e prestes a soltar-se. O espírito de Tori Amos e Kate Bush já estão também na linha de partida. Podemos avançar para o clímax.

“The Mountain” é o grito da Banshee. O clímax e o resultado de todo este álbum. A faixa que irá perdurar nas nossas memórias para sempre, a obra-prima que resume tudo o que Polly Jean mais teme. O piano entra forte, límpido e em registos a fugir a uma tonalidade convencional. Estamos num espírito de vanguarda. O baixo entra a meio para emprestar solidez e poder na faixa. A Kate Bush e a Tori Amos junta-se Sigur Rós: a voz que começa aguda, límpida e etérea, vai aos poucos soltando-se até atingirmos o topo da montanha, onde rebenta e explode num grito histérico de Banshee. O final perfeito para um álbum que o é quase.

Uma linha condutora coerente e um fio de novelo que apanhará todos desprevenidos.
Este é um álbum para todos. Até pela ruptura com o passado, mesmo quem não conheça Polly Jean, estará habilitado a ouvi-lo. Do melhor que se faz no século XXI.

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Autor: Tiago Videira