RÁDIO MACAU – “SEMPRE MAIS”

“Acordar” marca uma nova etapa na já longa carreira dos Rádio Macau, à beira de festejar precisamente os 20 anos em actividade. Depois de um longo interregno, uma das mais carismáticas bandas nacionais, liderados por Xana e Flak, o regresso fez-se com uma sonoridade mais electrónica, mas nem por isso menos apreciável, com o sugestivo álbum intitulado “Onde o Tempo Faz a Curva”. Hábitos e personalidades reconquistadas, quase 3 anos, depois faz-se luz sobre “Acordar”, o regresso ao formato de canções, diferente dos sempre clássicos “Elevador da Glória” ou “Anzol”, mas com uma melodia e mensagem que nos passa o quotidiano e formas de estar, em ondas bem tranquilas, sensíveis, e acústicamente perfeitas.
“Acordar” marca sobretudo o desligar das máquinas, como nos revelou Flak em entrevista, onde se falou igualmente, e bem, sobre música em si, o panorâma nacional, e o futuro dos Rádio Macau, precisamente a fazer música daqui por mais 20 anos.

Acho que não temos que acompanhar ninguém, é o público que nos tem de acompanhar. Fazemos aquilo que queremos, e cada vez mais fazemos um disco que é resultado do que nos apeteceu fazer na altura.

INSIDE – como definem este novo “Acordar”?
RM – É um disco clássico de canções dos Rádio Macau, a base é a mesma, são temas em português, como sempre fizémos, o que é um conceito base dos Rádio Macau, e em relação ao anterior optámos por uns arranjos sonoros mais clássicos, apesar deste ter muita electrónica, preferimos trabalhar com sons mais acústicos para dar uma sonoridade mais clássica e intemporal aos concertos.

I – Apesar da electrónica, marca do disco anterior, continuar bem presente…
RM – Sim, as canções que parece não o terem, têm muito trabalho de edição, as cordas, as percussões, foi tudo muito editado, trabalhado, num processo muito parecido ao do disco anterior.

I – A que se deve essa mudança de sonoridade? Maturidade ou a não aceitação do disco anterior?
RM – Não, quando fazemos um álbum é para agradar a nós próprios, não por aquilo que as pessoas vão pensar, na sua reacção. Penso que o disco anterior teve falta de divulgação, de exposição ao público, daí não ter tido tanto sucesso… Foi por essa razão que nós mudámos de editora.

I – Tem algum peso esta mudança para a Universal…
RM – Quando assinámos contracto com a BMG, eram as pessoas que estão neste momento na Universal que administravam a BMG. Entretanto essas pessoas passaram para aqui (univ.), quando editámos o disco anterior já não lá estavam, e eram elas a razão para estarmos na BMG. Portanto o que fizémos foi apenas seguir as pessoas que acreditavam em nós.

I – Este é um disco para os velhos fans, ou tentam acompanhar e captar um público mais jovem?
RM – Acho que não temos que acompanhar ninguém, é o público que nos tem de acompanhar. Fazemos aquilo que queremos, e cada vez mais fazemos um disco que é resultado do que nos apeteceu fazer na altura. Quando fizémos o “Onde o Tempo Faz a Curva”, tinhamos parado alguns anos, estávamos a recomeçar, e a partir daí já houve a experiência de passarmos mais tempo juntos, de fazer concertos… Desta forma, este disco já integra melhor as nossas sensibilidades, já há maior união, mais hábito, mais força. Estamos a fazer mais aquilo que representa as nossas personalidades, e este disco representa-nos melhor.

I – 20 anos depois, como é ainda fazer música para os Rádio Macau?
RM – É cada vez mais um desafio, porque fomos ficando mais exigentes e mais auto-critícos do nosso trabalho. Há mais experiências, conhecimento, vêmos mais coisas, e sempre que editamos algo, há uma maior auto-critíca sobre o que foi feito. Não somos daquelas bandas ou músicos muito bons, mas que dão tudo de uma vez. O Jimmy Hendrix fez muita coisa até aos 26 anos, e depois morreu. O Jim Morrison, e toda essa gente com potencial, arderam depressa. Acho que não somos assim, quando tiver 60 anos ainda estarei a fazer música, a ter ideias, e a tentar ser criativo.

I – Talvez já o sejam, mas consegues ver os Rádio Macau, daqui a outros 10-20 anos, como banda de elite ou de culto?
RM – Acho que sim. O facto de termos estado parados estes anos, fez com que não existisse uma sensação de dependência uns dos outros. Nós crescemos juntos, não havia maior vivência, e sim necessidade de conhecer outras pessoas e outras coisas, e parámos um pouco por isso.
Ao juntarmo-nos outra vez, sente-se que não há razão para os Rádio Macau pararem, sabemos que queremos fazer aquilo que nos apetece, portanto estou convencido que daqui a 20 anos ainda estaremos a fazer discos. Não vamos parar!

I – Achas que é um bom disco para funcionar ao vivo?
RM – Acho que sim. Enquanto o outro nos obrigava a tocar ao vivo com frequênciadores, com algumas coisas pré-gravadas, neste não é necessário, basta tocar da maneira clássica como antigamente, e isso tem mais a ver com a nossa forma de estar em palco. É importante não estarmos muito ligados a máquinas, para improvisar por exemplo. Nós sentimos, quando tocámos ao vivo, essa necessidade de independência, e neste último disco houve a preocupação em fazer canções que fácilmente se reproduziriam ao vivo, e acho que está a resultar bem, fácilmente reproduzimos este álbum.

I – Fala-se muito dos apoios à música portuguesa, na rádio, na televisão… Achas que se está a divulgar bem a música nacional?
RM – Não, de maneira nenhuma. Há pouca capacidade de divulgação, e há projectos com desenvolvimento que acabam por parar, por se tornarem amadores para sobreviver. Actualmente há melhor música portuguesa, há mais gente a fazer música, com acesso a meios que não são tão caros como eram há 20 anos. Não há divulgação, mas penso que as coisas vão ter tendência para mudar, melhorar, pela reacção das pessoas no futuro contra tudo isso.
Passa tudo por estratégias de mercado, de multinacionais, e fala-se muito nisso porque as pessoas estão a reagir, sentem-se enganadas. As pessoas compram, de longe, muito mais música portuguesa, do que a própria música nacional que passa nas rádios.

I – Voltando ao “Acordar”, tiveram a participação de Ana Deus, dos Três Tristes Tigres. Como é que nasceu o convite?
RM – Foi absolutamente por acaso. Ela estava em Lisboa, encontrámo-nos, estávamos nós a compôr, e convidei-a para vir cantar conosco no estúdio. Assim se juntou à Xana, e depois de ter cantado vários temas, aquela em que ela participa foi o que se manteve.

I – Algo que ainda gostássem se fazer?
RM – Tanta coisa! Já falámos com a editora, vamos fazer os 20 anos de carreira, e gostavamos de fazer um disco ao vivo. Recuperar canções antigas e editá-las ao vivo, juntas num CD com os temas também deste novo álbum… Ideias não faltam!

I – Para o futuro, “Sempre mais, sempre tão e mais uma vez”, é este o vosso lema?
RM – Sempre mais, sim! Acho que temos mais 20 e tal anos pela frente para mais umas canções e projectos, estamos cheios de vontade e força para continuar a trabalhar juntos. E com a liberdade de trabalhar em Rádio Macau ou, caso contrário, em projectos individuais mas, de facto, temos mesmo ainda muita coisa para fazer em conjunto.

Pedro Vieira

Pedro Vieira